Começou como um segredo, mas claro que, num mundo onde tudo se partilha, o segredo foi descoberto com mais velocidade do que vos leva a dizer Robert Galbraith: o novo autor de policiais que tomava a Inglaterra de assalto era a famosíssima “mãe” de Harry Potter, J.K. Rowling. Claro que, tendo a imaginação absolutamente prodigiosa que tem, não se ficou por criar apenas personagens, criou também um autor. A própria Rowling explica que escolheu um pseudónimo: «Quis trabalhar sem a pressão do público, sem expectativas, e receber feedback totalmente inocente. Queria que tudo isto fosse apenas sobre a escrita. Foi uma experiência fantástica e só gostava que tivesse durado mais algum tempo.» Desde que o segredo foi descoberto, manteve o pseudónimo para o distinguir de outro tipo de escrita e «porque me habituei a ele». Escolheu Robert, explica, porque é um dos seus nomes preferidos e em homenagem a Robert F. Kennedy.
Galbraith foi uma escolha típica de Rowling. Explicação: «Quando era criança, adorava ter-me chamado Ella Galbraith, nunca percebi porquê». Quanto ao género, afirma que adora escrever policiais porque têm regras definidas. E quem lê algum livro da série, percebe que se trata de um policial clássico: o leitor tem os dados todos, mas o investigador está sempre um passo à frente. Nada de novo. O que é apelativo é, mais uma vez, a monumental imaginação de J.K. Rowling e a sua capacidade para criar universos inteiros à volta de uma só pessoa. Esta pessoa, o herói dos livros – e também da série da BBC, disponível na HBO Portugal – é Cormoran Strike, filho ilegítimo de uma estrela rock e de uma groupie, que teve uma vida conturbada até acabar no exército. Tudo isto lhe deu as capacidades necessárias para entender os motivos da alma humana como investigador privado, bem acompanhado pela sócia Robin Hellacott, uma mulher inteligente, bondosa e generosa.
Depois da saga “Harry Potter”, que durou uns longos dez anos (de 1997 a 2007), a sua autora, a escritora inglesa Joanne Rowling, mais conhecida por J.K. Rowling, nascida em Yate a 31 de Julho de 1965, escreveu o seu primeiro romance dirigido a um público mais adulto, “The Casual Vacancy/Morte Súbita”, que viria a ser publicado em 2012. No ano seguinte, cansada das suas constantes quezílias com os tablóides (a quem processava constantemente), Rowling decidiu adoptar secretamente um pseudónimo, Robert Galbraith, com o qual assinou um primeiro livro policial, “The Cuckoo’s Calling/Quando o Cuco Chama”. As personagens principais, Cormoran Strike, um detective privado e a sua acessora, Robin Ellacott, tornaram-se tão populares que levou o livro a constituir-se um best-seller e, devido à investigação de um jornalista, o seu pseudónimo a ser identificado. Mas Rowling manteve-o, assinando mais cinco policiais, todos eles grandes sucessos de venda: “The Silkworm/O Bicho-da-Seda” (2014), “Career of Evil/A Carreira do Mal” (2015), “Lethal White/Branco Letal” (2018), “Troubled Blood/Sangue Turvo” (2020) e “The Ink Black Heart” (este último com a edição prevista apenas para o corrente ano).
Pouco tempo depois a chamada série Cormoran Strike foi adaptada à televisão com a chancela da BBC e sob o nome de “CB Strike”. Em Portugal a HB0 já tem disponíveis as duas primeiras temporadas (englobando os 4 primeiros livros), estando prevista em breve a estreia da terceira temporada, baseada no livro “Troubled Blood”. Para quem não está familiarizado, Strike é um veterano da Guerra do Afeganistão com stress pós-traumático, uma perna amputada devido a uma explosão numa emboscada e um semblante quase sempre impermeável a emoções fortes; alguém que resolve as tormentas interiores com um copito e um cigarro a mais. Já Robin, o anjo em forma de mulher que chegou para ajudar este detective sorumbático, é uma profissional entusiasta, que pesquisa os casos à velocidade da luz e aprecia a adrenalina do risco. Esta dupla perfeita, interpretada por Tom Burke e Holliday Grainger, mantêm entre eles uma química no campo de trabalho que é indissociável da tensão física, como se fossem dois corpos a retardar as consequências da atracção, entretendo-se com a resolução de casos alheios ao seu caso-não-resolvido, que lhes permite, pelo menos, passar a maior parte do tempo juntos. Enfim, “entreter” não será a palavra mais justa, já que a nuvem romântica que paira sobre os protagonistas não suga a energia dos actos de investigação. Deparamos aqui com o melhor de dois mundos, em amena convivência: sugestão amorosa e eloquência detectivesca.
Depois de “Lethal White”, temporada em 4 episódios que retrata o caso de um jovem assombrado com o testemunho de um assassinato em criança, “Troubled Blood”, abarcando de igual modo quatro episódios, vai mais fundo no tipo de história que entrelaça o passado com os dramas do presente. Strike está na Cornualha, em visita a uma tia com doença terminal, quando é abordado na rua por uma mulher que lhe pede um minuto de atenção. Ela não vem em súplica por nada que tenha acabado de acontecer, nem sequer tem muitas esperanças de conseguir despertar o interesse do detective privado, mas ainda assim expõe o caso: a sua mãe desapareceu em 1974, em circunstâncias nunca esclarecidas, e o assunto foi arquivado tanto pela polícia como pelo próprio pai. É apenas uma mulher à procura de respostas que lhe permitam arrumar, de alguma maneira, a memória da mãe (era uma bebé quando esta desapareceu) e fechar um capítulo suspenso. Com o início desta investigação de um cold case vem o mergulho algo perturbador nas águas desses anos setenta em Londres, através de flashbacks que desenham o perfil da desaparecida, Margot Bamborough, uma médica feminista e socialmente activa, que numa noite deixou o consultório em direcção ao pub onde tinha um encontro marcado, e nunca mais foi vista…
Um dos pontos fortes de “CB Strike” continua a ser o modo como permite ao espectador seguir as pistas num domínio práctico e humano, sem que os detectives representem uma inteligência transcendente. No fundo, Strike e Robin só apontam as lanternas para as hipóteses lógicas, numa dinâmica que oscila entre conversas de gabinete e entrevistas com velhinhas afáveis que servem chá e bolachas. Isto ao mesmo tempo que cada um lida com os seus problemas pessoais. Ele tem a madrasta (a tal tia da Cornualha) a morrer; ela está à beira de assinar o divórcio. Pelo meio, é Natal...
“CB Strike” é uma série que está entre o melhor da BBC dos últimos anos, fiel a um classicismo do género policial que se reflecte em algo mais do que a ideia de um objecto discípulo da tradição. Desde logo, na sua economia de demonstrações de afecto entre os dois protagonistas, a série cresce em volume emocional a cada gesto contido que vai aproximando Strike e Robin, como dois amantes com um destino definido em câmara lenta.
(Post by Jota Marques)
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