Capa: Claudia Warrack (adaptação de Teresa Coelho)
Nº de páginas: 280
ISBN: 978-989-665-910-3
Diplomata e poeta brasileiro, Marcos Vinicius da Cruz de Mello Moraes
nasceu a 19 de Outubro de 1913, na Gávea, no Rio de janeiro, e morreu a 17 de
Abril de 1980, na mesma cidade. Em 1933, concluíu um Curso de Oficial de
Reserva e formou-se em Direito, passando pelos bancos da Universidade de
Oxford. Ao seguir a carreira diplomática, estabeleceu-se nomeadamente em Los
Angeles, Montevideu e Paris. Nas Letras, as suas preferências iam para
Katherine Mansfield, Georges Bernanos e François Mauriac. Convivia
habitualmente com intelectuais como Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de
Melo Neto e Rubem Braga. O livro "O Caminho da Distância" marcou a sua estreia
literária, em 1933. Vinicius publicaria ainda "Forma e Exegese" (1935), "Ariana, a
Mulher" (1936), "Novos Poemas" (1938), "Cinco Elegias" (1943), "Poemas, Sonetos e
Baladas" (1946) e "Pátria Minha" (1949). Na sua poesia, a crítica encontrava
reminiscências do verso livre e generoso de Walt Whitman e do
transcendentalismo de um Charles Péguy ou de um Paul Claudel. O erotismo marca
o seu percurso poético, refreado todavia pela reserva da sua educação
religiosa.
A sua relação com a música popular estreitou-se com o encontro com António Carlos Jobim, em 1956, quando este musicou a peça "Orfeu da Conceição". Nessa época, Vinicius tinha já publicado um dos seus mais belos poemas, "O Operário em Construção". A parceria com Tom Jobim daria lugar aos grandes sucessos do movimento da bossa-nova e ao maior êxito internacional da dupla, "Garota de Ipanema". A adaptação cinematográfica de "Orfeu da Conceição" fora entretanto premiada em Cannes e recebera o Óscar do Melhor Filme Estrangeiro. Da coabitação com a música, a escrita poética de Vinicius surge assim mais comedida, mais segura e mais exacta. Falava agora da vida de todos os dias, da felicidade, da saudade, do amor, da sensualidade, das mulheres. O convívio com Baden Powell questionou-o sobre as raízes africanas da negritude e o candomblé preencheu o seu imaginário e o seu quotidiano, povoando-o de ritos mágicos e de ancestralidade. Os afrossambas "Apelo", "Berimbau" e "Samba em Prelúdio" datam desta colaboração. Em 1960, publica a sua "Antologia Poética" e, dois anos depois, "Para Viver um Grande Amor", renovando a sua poesia através da colaboração com a nova geração de artistas brasileiros, entre os quais Edu Lobo, Francis Hime e mais tarde Toquinho. Além de autor, tornou-se o seu próprio intérprete, participando em inúmeros espectáculos. Vinicius de Moraes veio a falecer em 1980 na sua famosa banheira, legando-nos a imagem de um espírito irreverente e eternamente apaixonado.
Da sua discografia como intérprete merece uma referência o disco "!Vinicius - 90 Anos", uma edição especial lançada em 2003, em formato duplo, reunindo os temas principais do cantor, quer como letrista quer como cantor/músico. Do alinhamento do disco fazem parte alguns dos grandes clássicos da bossa-nova brasileira, canções verdadeiramente inesquecíveis como "Onde Anda Você", "Marcha de Quarta-Feira de Cinzas", "Tarde em Itapoã", com voz de Vinicius e guitarra de Toquinho. Além destes, uma nota ainda para outras canções, com letras de Vinicius, autênticos hinos da MPB, como "Garota de Ipanema" (Tom Jobim), "Água de Beber" (Maysa), entre outros. Deste poeta brasileiro se disse que foi um homem sem limites, múltiplo. Nunca foi avaro das suas emoções, dos seus sentimentos, da sua amizade. Vinicius cruzou o caminho de grandes músicos. Trabalhou com os maiores nomes da música popular brasileira: Pixinguinha, Tom Jobim, Baden Powell, Carlos Lyra, Chico Buarque e Toquinho, entre outros. Mas este poeta das boémias e do anti-establishment (de tal maneira que dele Drummond de Andrade afirmou um dia: «Vinicius é o único poeta brasileiro que viveu como um poeta») começou por receber uma educação sofisticada, entre jesuítas, poetas latinos e interrogações metafísicas. A influência indelével de Vinicius nas letras musicais do Brasil foi de tal forma abrangente que existe um "antes" e um "depois" de Vinicius. Vinicius de Moraes é e será sempre uma referência eterna, flutuando nas palavras doces que deixou, marcas impetuosas da sua personalidade e do sentimento romântico, melancólico e deliciosamente temperado e festivo da cultura popular brasileira.
COM SUA PERMISSÃO, SIR LAURENCE OLIVIER…
Com sua permissão, Sir Laurence Olivier,
mas sábado eu dei uma entrada no Metro Copacabana, à base do araque, para rever
“A ponte de Waterloo”. Tinha visto o filme havia muito tempo, meu caro Sir, e
não sei por quê – ah, eu creio que com os anos aprendi a ver melhor a beleza
das mulheres! –, não cheguei, então, a
dar à sua nobre conjugue a metade da atenção que ela merece.
Não se zangue, não. Estou lhe falando de coração aberto. Mas eu achei Lady
Laurence Olivier uma coisa aabsolutamente estupefaciente. Confesso-lhe que,
dela, a grande e profunda beleza não me encantou apenas os olhos – comoveu-me o
coração e meio que me deixou triste. A beleza das mulheres quando é assim sublime,
e se acresce de encanto, é de cortar o peito de um homem.
Desculpe a confiança, mas, se eu fosse o senhor, largava esse negócio de
Sir, largava também esse negócio de ser de cinema e teatro (com mil perdões
pelo trocadilho) e ficava em casa o tempo todo prostrado, adorando sua senhora.
De novo lhe peço que não me leve a mal, pois não há em mim nem sombra de
segundas intenções, mas, se eu fosse o senhor, não punha uma mulher daquelas
para trabalhar. Não vê! Cada vez que ela me desse um sorriso infantil daqueles,
um sorriso confiante e doce daqueles; cada vez que ela pusesse nos meus aqueles
olhos enormes, aqueles enormes olhos inocentes, eternamente molhados de pureza
e sóbrio conhecimento – eu… eu… eu… eu sei lá o que é que eu fazia. Eu dava pantana;
eu entrava no Bolero e dançava um tango argentino com a primeira vigarista que
me passasse; eu fazia três entre-chats e quinze pas-de-bourrée em plena praia
de Copacabana; eu ia a Caxias, andava de trem da Central, era capaz de
suplantar o Ademir, fazia misérias, Sir Laurence Olivier, fazia misérias.
Aliás, quem sou eu para estar falando… Eu acredito piamente, Sir Laurence,
que o senhor faça misérias. Porque eu, que não sou Sir nem nada – ah, eu faço.
Também, hein, Sir Laurence… Ô peste de coisa danada de bonita que é mulher,
hein, Sir Laurence…
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