domingo, 6 de novembro de 2022

O CORAÇÃO DAS TREVAS

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 O Coração das Trevas ~ Heart of Darkness

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«Vivemos como sonhamos - sozinhos»

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(c) Editorial Estampa - (1.ª Edição - 1983) 4.ª Edição - 2006
tradução e introdução: Anibal Fernandes (recomendado)
 
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Esta obra prima do século XX tem tido uma influência que vai além da sua superior qualidade literária. Esta parábola sobre o «coração negro» do Homem, dramatizada no alegado «continente negro», tudo transcende, adquirindo a estatura de uma das maiores, tormentosas e visionárias obras do mundo ocidental. 
Soberbo.
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Joseph Conrad
(1857 - 1824)
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Joseph Conrad, aliás Józef Teodor Konrad Korzeniowski, nasce na Ucrânia em 1857, em plena autocracia dos Czars. Filho de um casal polaco no exílio, fica órfão muito cedo. É criado e educado pelo tio, o responsável por aquela que seria a paixão central da sua vida: o mar. Viaja para Marselha em 1874, prestando serviço a bordo de navios mercantes franceses antes de finalmente se juntar à tripulação de um navio inglês, no ano de 1878. Em 1886 obtém nacionalidade britânica e o Certificado de Mestre no Serviço Mercantil Britânico.

Oito anos mais tarde abandona o mar para se dedicar à escrita, publicando o seu primeiro romance - 'Almayer's Folly', em 1895. Continua a escrever e a publicar até à data da sua morte em 1924. Conrad é autor, entre outras obras, de Lord Jim (1900), Nostromo (1904), The Secret Agent (1907), Under Western Eyes (1911), Heart of Darkness, Coração das Trevas, (1902). É hoje considerado um dos maiores escritores de ficção em inglês, a sua terceira língua.

Bertrand Russell que veio a conhecê-lo pouco depois de Conrad ir para Inglaterra, tinha verdadeiro fascínio pela sua obra, em especial por 'O Coração das Trevas'. Ganhou-lhe tal amizade, que baptizou um dos seus filhos de 'Conrad'.



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O início da viagem de Marlow

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Ernest Hemingway, T. S. Eliot, Marcel Proust, André Malraux, Céline, Jean-Paul Sartre e Graham Greene encontram-se entre alguns dos maiores admiradores de Joseph Conrad.
Além de Francis Ford Copolla, Orson Welles tentou uma adaptação cinematográfica de O Coração das Trevas, tendo mesmo escrito um guião. No entanto, nenhum estúdio cinematográfico se interessou na altura. 
Agustina Bessa-Luís elegeu esta obra como o livro da sua vida. 

António Lobo Antunes prefaciou a edição (2009) da editora "Dom Quixote", na coleção "Biblioteca António Lobo Antunes", e escreveu ...pode bordar-se indefinidamente por cima do que Conrad fez. 
O que me parece é mais simples: julgo que se limitou a escrever o que devia, lutando com os problemas técnicos que tinha de solucionar a cada passo, empurrado pela grande pulsão vital do grande artista que era, dando-nos um retrato sem complacência da nossa condição: O horror, diz Kurtz, o horror. O horror decerto, e também o mistério, a grandeza, a pequenez, a complexa e maravilhosa condição da nossa sina, dados com uma firmeza arrepiante.

«Pese a oscilação admissível, sempre, de gostos e critérios, ainda assim O Coração das Trevas (novela de 1902 em três números consecutivos do Blackwood's Magazine) dificilmente escapará a quem aponte, na produção extensa de Joseph Conrad, os quatro maiores títulos do autor.
O Coração das Trevas, novela que serviu acrescentada de interesse ao inspirar a parte mais inquietante no argumento de Apocalypse Now, filme dos maiores de Francis Ford Coppola e no cinema americano da década de 70» (Aníbal Fernandes)
(Textos da editora e Aníbal Fernandes)
  

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Apocalypse Now

~ Francis Ford Coppola ~

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Quarto e último filme de Francis Ford Coppola nos anos 70 (a década mais rica e popular do aclamado director norte-americano), "Apocalypse Now", depois dos mega sucessos dos dois "Padrinhos" e ainda "The Conversation", pode-se comparar literàriamente à "Montanha Mágica" de Thomas Mann, no sentido da sua ousadia monumental. Digamos que é uma montanha que é preciso ousar escalar com ele. Coppola aventura-se por caminhos até então não explorados e convida o público a acompanhá-lo nessa expedição. O argumento original, escrito por George Lucas e John Milius no final dos anos 60, encontrava-se esquecido numa qualquer gaveta dos estúdios Zoetrope quando Coppola o encontra, e, juntamente com Milius, decide fazer dele uma adaptação de "O Coração das Trevas", de Joseph Conrad. É uma mudança brusca em relação à situação histórica do Vietname, primeiro sinal dessa romantização que afasta sempre Coppola dos limites do real. 

Por outro lado, como conciliar o enigma moral de "O Coração das Trevas" com o seu apocalíptico filme? Temos aí a grande ruptura de "Apocalypse Now", o que torna o objecto fascinante, apesar de irreconciliável. A subida do rio do capitão Willard (Martin Sheen) com a missão de executar o coronel Kurtz (Marlon Brando) que, no Cambodja, se tornou um déspota incontrolável, diverge em dois afluentes bem distintos: a introspecção de Willard em voz off, que lê o processo de Kurtz durante a subida do rio, antes de se encontrar com ele num final grandiloquente misturando literatura e filosofia, e o espectáculo assombroso que reserva cada paragem no rio, desde o coronel Kilgore (Robert Duvall) a bombardear uma aldeia ao som das Valquírias de Wagner, apenas para se regalar com um local onde surfar, até às coelhinhas sensuais que dançam para os soldados em alvoroço.

Como ligar a introspecção ao espectáculo? Este espectáculo metafísico permanece até ao final, onde a introspecção se torna espectacular: a filmagem da cabeça de Kurtz é lendária, tanto que o cineasta só decide filmar isso, com a cabeça rapada a entrar e a saír do negro, e a mão de Brando a acariciá-la. Kurtz cita "The Hollow Men", de T.S. Eliot, e remete tudo, ele, Willard, o Vietname, para a vaidade. Será que Kurtz é louco? Pouco importa, é um melancólico. Está escondido, deitado na sua enxerga; entrar no seu esconderijo é como aceder à gruta do Minotauro. Dá-se realidade a Coppola, e ele transforma-a num mito. "Apocalypse Now" é uma viagem onde a percepção oscilante parece afectada pelas drogas, mas mostra uma realidade da guerra: a confusão. Já ninguém comanda, o Exército está decapitado, a América desequilibrada. Cada coronel comporta-se como um déspota, Kurtz é apenas a sua caricatura monstruosa, um deus esculpido vivo. O Estado-Maior está em Saigão, come bem, vive de forma civil, longe da realidade da selva. É a ideia da cena, longa, logo no princípio do filme, onde Willard recebe a sua ordem de missão. Enquanto uma gravação da voz de Kurtz diz: «Não suporto mentirosos», o rosbife de vaca oferecido é enquadrado em primeiro plano. Por outro lado, no final, quando Kurtz morre com um golpe de Willard em montagem paralela com o abate de uma vaca, essa carne adquire um sabor particular.

Coppola, como em todos os seus filmes, adapta o estilo ao tema; mas, neste filme, esse hábito leva-o ao abismo. Se o tema é a confusão, como manter um mínimo de ordem? O cineasta vai longe, pois coloca-se mais ou menos conscientemente em situação de desordem, até de perigo. É preciso que a vida se conjugue com o filme, e Coppola pode anunciar no Festival de Cannes: «Não é um filme sobre a guerra do Vietname, é o próprio Vietname.» É verdade que Coppola não foi responsável pelos acontecimentos que ensombraram a rodagem (como por exemplo os tufões e outras intempéries ou o ataque cardíaco de Martin Sheen depois de substituir Harvey Keitel no principal protagonista), mas a estagnação absurda de uma rodagem que dura mais de um ano, de um filme que leva mais dois a ser montado, deve-se em parte à vontade de viver a aventura. Ele reconhece que se reviu em Kurtz, abusando do seu poder, longe de tudo. É admirável que o final seja tão lento, como se tivéssemos atingido o fundo da entropia. A desordem é tal que vamos sempre mais fundo, até ao esconderijo obscuro de Kurtz, o único local da obra onde o tempo parou.

Coppola nunca ficou satisfeito com a versão de 153 minutos, de 1979; em 11 de Maio de 2001, com a ajuda de Walter Murch, estreia nas salas de cinema uma montagem de 197 minutos, "Apocalypse Now Redux". O acrescento mais importante é a sequência da plantação francesa (25 minutos) que transforma a subida do rio numa subida no tempo. Dezoito anos depois, em Agosto de 2019, é finalmente estreada a versão definitiva, com 183 minutos, e intitulada "Apocalypse Now: The Final Cut". Antes de aceder aos tempos remotos do mito com Kurtz, o barco pára numa residência de onde surgem como fantasmas os proprietários armados, saídos da guerra da Indochina. Quando o nevoeiro se instala, as ruínas da plantação dão a sensação de que Willard e a tripulação voltaram atrás no tempo. E o filme pode mergulhar nesse jantar espectral, que Francis achava buñueliano, com pessoas movidas por paixões políticas no início dos anos 50, um reflexo do compromisso americano no Vietname quinze anos mais tarde. Na versão original desta sequência (2001), Willard apanhava a jovem (Aurore Clément) através do mosquiteiro, faziam amor e reencontrávamo-los de manhã. Mas, na nova versão, a imagem de Aurore dissolve-se progressivamente num fundido encadeado e ficamos com a silhueta desencarnada da jovem, a pairar num fundo branco como o leite. Então, percebemos que estamos de volta ao barco, de onde tínhamos partido.

(Post by Zé Marrana e Jota Marques )

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