
Arthur Rimbaud (1854-1891) foi um poeta francês que exerceu grande influência na poesia do século XX. Considerado um dos precursores da poesia moderna, nasceu em Charleville, França, no dia 20 de Outubro de 1854. Filho de um capitão de infantaria e de uma camponesa, teve uma educação bastante conservadora. Ainda criança começa a escrever as suas poesias, que foram reunidas em 1869, quando ele tinha apenas 15 anos. Em 1870, frequenta o Colégio de Charleville, onde faz amizade com Georges Iszambard, seu professor de retórica, que o incentiva na leitura dos poetas Rabelais, Victor Hugo e Théodore de Banville. A amizade com o professor era reprovada pela mãe. Nesse mesmo ano deu início a uma série de viagens, revelando o seu espírito aventureiro. Assim, com 16 anos apenas, viaja para Paris sem a autorização da mãe. Nessa época a França e a Prússia estavam em guerra. Rimbaud é preso mas com a intervenção do professor consegue ser libertado. De volta a Charleville vai morar na casa de uma amiga da família de Izambard. Em 1871, entre várias fugas, viaja para Paris, onde conhece o poeta Paul Verlaine, para quem havia remetido o poema “Soneto de Vogais”, que o acolhe em sua casa. É o início de uma conflituosa relação homossexual que chocou a sociedade da época.
Em 1872 Verlaine abandona mulher e filhos e vai com Rimbaud para Londres, onde iniciam uma vida boémia e desregrada. Em Abril de 1873, Rimbaud volta para a sua cidade natal, onde começa a escrever “Uma Temporada no Inferno”. Em Junho acompanha Verlaine, mais uma vez, numa viagem a Londres. Após muitas brigas, os dois separam-se e só se reencontram em Bruxelas, onde Rimbaud tenta romper a relação com Verlaine. Este chega a disparar contra o amante sob o efeito do álcool, ferindo-o na mão. Em consequência, Verlaine é condenado pela justiça da Bélgica a dois anos de prisão. De volta a Charleville, Rimbaud publica “Uma Temporada no Inferno” (1873), que reúne nove poemas em prosa. A obra foi considerada um marco da história da poesia e influenciou vários poetas modernos e muitos movimentos da contracultura do século XX. Em 1874 Rimbaud está de volta a Londres, desta vez em companhia do poeta Germain Nouveau. Nessa época publica “Iluminações”. Com apenas 20 anos, Rimbaud deixa de escrever e decide começar a trabalhar no comércio de café na Etiópia. Entra para o exército das colónias holandesas, mas em 1876 resolve desertar, e volta uma vez mais para a sua cidade natal. No ano seguinte viaja por diversas cidades. Em 1885, envolve-se com o tráfico de armas. Arthur Rimbaud vem a morrer em Marselha, França, vitimado por um cancro na perna, no dia 10 de Novembro de 1891. Tinha 37 anos.
OFÉLIA
I.
Na onda calma e negra, entre
os astros e os céus
A branca Ofélia, como um
grande lírio, passa
Flutua lentamente e dorme em
longos véus…
– Longe, no bosque, o
caçador chamando a caça.
Mais de mil anos faz que a
triste Ofélia abraça
Fantasma branco, o rio negro
em que perdura
Mais de mil anos: toda noite
ela repassa
À brisa a romança que em
delírio murmura.
Beija-lhe o seio o vento e
liberta em corola
Os grandes véus nas águas
acalentadoras
Sobre os seus ombros o
salgueiro se desola
Reclina-se o caniço à fronte
sonhadora.
Nenúfares feridos suspiram
por perto
Às vezes ela acorda, em
vidoeiro ocioso
Um ninho de onde vem tremor
de um vôo incerto:
– De astros dourados desce
um canto misterioso.
II.
Morreste sim, menina que um
rio carrega
Ó pálida Ofélia, tão bela
como a neve!
– É que algum vento
montanhês da Noruega
Contou que a liberdade é
rude, mas é leve.
– É que um sopro, liberta a
cabeleira presa
Em teu espírito estranhos
sons fez nascer
E em teu coração logo
ouviste a Natureza
No queixume da árvore e do
anoitecer.
– É que a voz do mar
furioso, tumulto impávido
Rasgou teu seio de menina,
humano e doce
– E em manhã de Abril, certo
cavalheiro pálido
Um belo e pobre louco, aos
teus pés se ajoelhou.
E aí o céu, o amor: – Que
sonho, pobre louca!
Ante eles era a neve, desmaiando
à luz
Visões estrangulavam-te a
fala na boca
O Infinito aterrava os teus
olhos azuis!
III.
– E o Poeta diz que sob os
raios das estrelas
Procuras toda noite as
flores em delírio
E diz que viu na água, entre
véus, a colhê-las
Vogar a branca Ofélia como
um grande lírio.
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"Ofélia", de Alexandre Cabanel |
I
Sur l’onde calme et noire où
dorment les étoiles
La blanche Ophélia flotte
comme un grand lys
Flotte très lentement,
couchée en ses longs voiles…
– On entend dans les bois
lointains des hallalis.
Voici plus de mille ans que
la triste Ophélie
Passe, fantôme blanc, sur le
long fleuve noir
Voici plus de mille ans que
sa douce folie
Murmure sa romance à la
brise du soir.
Le vent baise ses seins et
déploie en corolle
Ses grands voiles bercés
mollement par les eaux
Les saules frissonnants
pleurent sur son épaule
Sur son grand front rêveur
s’inclinent les roseaux.
Les nénuphars froissés
soupirent autour d’elle
Elle éveille parfois, dans
un aune qui dort
Quelque nid, d’où s’échappe
un petit frisson d’aile:
– Un chant mystérieux tombe
des astres d’or.
II
O pâle Ophélia ! belle comme
la neige!
Oui tu mourus, enfant, par
un fleuve emporté!
C’est que les vents tombant
des grand monts de Norwège
T’avaient parlé tout bas de
l’âpre liberté.
C’est qu’un souffle, tordant
ta grande chevelure
À ton esprit rêveur portait
d’étranges bruits
Que ton coeur écoutait le
chant de la Nature
Dans les plaintes de l’arbre
et les soupirs des nuits.
C’est que la voix des mers
folles, immense râle
Brisait ton sein d’enfant,
trop humain et trop doux
C’est qu’un matin d’avril,
un beau cavalier pâle
Un pauvre fou, s’assit muet
à tes genoux!
Ciel ! Amour ! Liberté !
Quel rêve, ô pauvre Folle!
Tu te fondais à lui comme
une neige au feu:
Tes grandes visions
étranglaient ta parole
– Et l’Infini terrible
éffara ton oeil bleu!
III
– Et le Poète dit qu’aux
rayons des étoiles
Tu viens chercher, la nuit,
les fleurs que tu cueillis
Et qu’il a vu sur l’eau,
couchée en ses longs voiles
La blanche Ophélia flotter,
comme un grand lys.
Nota: A história de Ofélia,
personagem da obra Hamlet de William Shakespeare (1599-1601), foi fonte de
inspiração para o poema de Arthur Rimbaud (1870). Ofélia é uma jovem da alta
nobreza da Dinamarca, filha de Polônio e noiva do Príncipe Hamlet, que busca o
amor e a liberdade. Abandonada pelo príncipe, enlouquece, afogando-se em desespero.
No seu poema, Rimbaud ressalta e liga a mãe Natureza em harmonia universal à
figura mítica de Ofélia, proporcionando uma sensação de paz e serenidade. Ofélia
tem sido representada em livros, novelas, filmes, músicas, ciência e arte de
diversos pintores.
(Post by Jota Marques)