"O Doutor Jivago", de Boris Pasternak, é a grande saga épica e maravilhosa da Rússia da primeira metade do século XX, narrada através da inesquecível história da vida e dos amores de um poeta, filósofo e médico nos dias turbulentos da revolução. Iuri Andréievitch Jivago decide levar a família de Moscovo para os montes Urais, na expectativa de aí encontrar maior segurança, mas acaba por se ver não só no centro da batalha entre as frentes branca e vermelha mas também dividido entre a sua casa e o amor desmedido pela bela enfermeira Lara. Este que é considerado o maior romance da Rússia pós-revolucionária foi publicado originalmente em 1957, um ano antes da atribuição do Prémio Nobel da Literatura ao seu autor, mas, banido pela censura do Partido Comunista, teria de aguardar trinta anos para ser lido no país de Pasternak. Esta versão, editada pelo Círculo de Leitores em Janeiro de 1975, tem tradução de Augusto Abelaira e uma introdução de Aquilino Ribeiro, da qual se refere um pequeno extracto: «O século XIX regia-se segundo um conceito crassamente burguês. Todos os valores humanos consistiam no dinheiro, na propriedade terrenha e mais bens materiais. Estabilidade era o seu principal requesito. Reconheceu-se, afinal, que não havia nada mais inseguro do que tais senhorios. Não apenas na Rússia, no mundo todo. Com as duas grandes guerras e, logo após, a era atómica, a escala de valores modificou-se. Acabamos por dar conta que somos uns hóspedes passageiros da existência, à maneira de viajantes entre duas estações. Pois que assim é, a segurança devemos procurá-la em nós próprios. Em transcurso tão breve como é a vida, cada um tem obrigação de fazer para seu governo uma ideia exacta da condição humana. Representa isto, quanto a mim, uma rotura com a concepção materialista do século XIX. Simultaneamente uma revivescência do mundo espiritual e uma distenção da vida interior no plano religioso. Mas não a religião considerada como dogma ou igreja, mas religião como sentimento vital. Ortodoxo ou não em matéria de doutrina revolucionária, é inegável que Bóris Pasternak, escritor e poeta, saíu aos 70 anos dos limbos da obscuridade em que jazia com um livro maravilhoso, que honra as letras e o pensamento contemporâneos.» A obra foi adaptada ao cinema, em 1966, pelo realizador David Lean, com os actores Omar Sharif, Julie Christie e Geraldine Chaplin nos principais protagonistas.
Temos assim uma história de amor no centro da acção, com a revolução soviética como pano de fundo. Mas se esta é apenas um mero enquadramento político, aquela também não passa de um pretexto para mostrar o que é realmente importante no desenrolar do filme. E o que é importante em "Doctor Zhivago" são as pessoas. Não como entidades abstractas de qualquer manifestação mas pelo contrário como indivíduos bem diferenciados que inoportunamente se vêm envolvidos em acontecimentos que os transcendem e relativamente aos quais se sentem impotentes de controlar. Num tempo em que a História não tinha tempo para os sentimentos pessoais, é o lado íntimo que assume o papel de resistente, nem que isso implique o desterro ou a morte.
MINI-BIOGRAFIA:
Boris Pasternak nasceu em
Moscovo em 1890, numa família judia. Depois de uma passagem pela Alemanha, onde
estuda filosofia, volta para Moscovo em 1914, estabelecendo ligações com o
grupo futurista local e iniciando-se na poesia. Pasternak afirma-se com o seu
terceiro livro, "Minha Irmã a Vida", de 1917, que circula sob a forma de
manuscrito até 1922, ano em que é finalmente publicado. Mantém, com
dificuldades, o seu trabalho como tradutor e escritor ao longo dos anos 30 e em
1947 inicia uma relação amorosa com Olga Ivínskaia, que inspirará a personagem
de Lara em "Doutor Jivago", obra que começa a escrever no pós-guerra. A primeira
edição deste título dá-se em Itália em 1957 e no ano seguinte Pasternak é
galardoado com o Prémio Nobel da Literatura. As autoridades soviéticas reagem
com fúria e obrigam-no a recusar o prémio, sob a ameaça de graves sanções. Boris
Pasternak faleceu dois anos depois, a 30 de Maio de 1960, vitimado por um ataque cardíaco, embora
sofresse também de um cancro nos pulmões. Olga Ivinskaya morreu muito mais
tarde, aos 82 anos (1995) em Moscovo, mas depois de ter sido enviada, por duas
vezes, para campos de concentração de trabalhos forçados. A razão? Apenas o
grande amor que a uniu ao escritor. "O Doutor Jivago" só seria publicado na União
Soviética em 1988.
(Post by Jota Marques)