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sexta-feira, 11 de novembro de 2022

SE VOCÊ ME ESQUECER / POSSO ESCREVER OS VERSOS MAIS TRISTES...


Eu quero que você saiba de uma coisa

Você sabe como é:
Se eu olhar para a lua cristalina,
para o galho avermelhado do lento outono pela minha janela

Se eu tocar, próximo ao fogo, a intocável cinza
ou o enrugado corpo da lenha,
tudo me leva a você

Como se tudo o que existe: perfumes, luz, metais,
fossem pequenos barcos que navegam rumo às tuas ilhas que esperam por mim
 
Bem, agora,
se pouco a pouco você deixar de me amar
eu deixarei de te amar, pouco a pouco.
 
Se, de repente, você me esquecer,
não me procure,
porque eu já terei te esquecido
 
Se você pensa que é longo e furioso o vento 
que passa pelas velas da minha vida
e decidir me deixar na praia do coração, onde tenho raízes

lembre-se:
que nesse dia, nessa hora, eu levantarei meus braços
e minhas raízes partirão para buscar outra terra
 
Mas, se a cada dia, a cada hora,
você sentir que é destinada a mim, com implacável doçura,
se a cada dia uma flor escalar os seus lábios à minha procura
 
Aahh meu amor, aahh meu próprio eu,
em mim todo aquele fogo reacenderá,
em mim nada é extinto ou esquecido

Meu amor se alimenta do seu amor, amada.
E enquanto você viver, estará você em seus braços,
sem deixar os meus.

@PabloNeruda

(Post by Jota Marques)

quarta-feira, 26 de outubro de 2022

PABLO NERUDA

*

PABLO NERUDA 

e
4 Poemas ...dos meus preferidos 

  *  
ODE AO PÃO

*

Pão,
Com farinha
Água
E fogo
Te levantas.
Espesso e leve,
Reclinado e redondo,
Repetes
O ventre da mãe,
Equinocial
Germinação
Terrestre.
Pão,
Que fácil
E que profundo tu és:
No tabuleiro branco
Da padaria
Estendem-se as tuas filas
Como utensílios, pratos
Ou papéis,
E de súbito a onda
Da vida,
A conjunção do germe
E do fogo,
Cresces, cresces
De súbito
Como

Cintura, boca, seios,
Colinas da terra,
Vidas,
Sobe o calor,
inunda-te
A plenitude,
o vento
Da fecundidade,
E então
Imobiliza-se a tua cor de ouro,
E quando já estão prenhes
Os teus ventres
A cicatriz escura
Deixou sinal de fogo
Em todo o teu dourado
Sistema de hemisférios.
Agora intacto és
Ação de homem
Milagre repetido, vontade da vida.
Ó pão de cada boca

Não Te imploraremos
Nós, os homens,
Não somos mendigos
De vagos deuses
Ou de anjos obscuros:
Do mar e da terra
Faremos pão,
Plantaremos de trigo
A terra e os planetas
O pão de cada boca
De cada homem, em cada dia
Chegará porque fomos
Semeá-lo e fazê-lo,
Não para um homem,
Mas para todos,
O pão, o pão
Para todos os povos
E com ele o que possui
Forma e sabor de pão
Repartiremos: a terra,
A beleza, O amor,
Tudo isso
Tem sabor de pão,
Forma de pão,
Germinação de farinha,
Tudo
Nasceu para ser compartilhado,
Para ser entregue,

Para se multiplicar,
Por isso, pão,
Se foges
Da casa do homem,
Se te escondem,
Se te negam,
Se o avarento
Te prostitui,
Se o rico
Te armazena,
Se o trigo
Não procura sulco e terra,
Pão,
Não rezaremos,
Pão,
Não mendigaremos,
Lutaremos por ti

Com outros homens,
Com todos os famintos,
Por todos os rios, pelo ar
Iremos procurar-te,
A terra toda repartiremos
Para que tu germines,
E conosco
Avançará a terra:
A água, o fogo, o homem
Lutarão junto a nós.

Iremos coroados
De espigas, conquistando
Terra e pão para todos,
E então,
Também a vida
Terá forma de pão,
Será simples e profunda,
Inumerável e pura.
Todos os seres terão direito
À terra e à vida,
E assim será o pão de amanhã,
O pão de cada boca,
Sagrado,
Consagrado,
Porque será o produto
Da mais longa e dura
Luta humana.
Não tem asas
A vitória terrestre:
Tem pão sobre os seus ombros,
E voa corajosa
Libertando a terra
Como uma padeira
Levada pelo vento.

 * 
ODE À CEBOLA
*

Cebola,
luminosa redoma,
pétala a pétala
formou-se a tua formosura,
escamas de cristal te acrescentaram
e no segredo da terra sombria
arredondou-se o teu ventre de orvalho.
Sob a terra
deu-se o milagre
e quando apareceu
teu rude caule verde,
e nasceram
as tuas folhas como espadas no horto
a terra acumulou seu poderio
mostrando a tua nua transparência,
e como em Afrodite o mar distante
duplicou a magnólia
levantando-lhe os seios,
a terra
fez-te assim,
cebola,
clara como um planeta,
e destinada
a reluzir,
constelação constante,
redonda rosa de água,
sobre
a mesa
dos pobres.
 
Generosa
desfazes
teu globo de frescura
na consumação
fervente do cozido,
e o girão de cristal
ao calor inflamado do azeite
transforma-se em ondulada pluma de ouro.
 
Recordarei também como a tua influência
fecunda o amor da salada
e parece que contribui o céu
dando-te a fina forma do granizo
a celebrar a tua luz picada
sobre os hemisférios de um tomate.
Mas ao alcance
das mãos do povo,
regada com azeite,
polvilhada
com um pouco de sal,
matas a fome
do jornaleiro no duro caminho.
Estrela dos pobres,
fada madrinha
envolta
em delicado
papel, tu sais do solo,
eterna, intacta, pura
como semente de astros,
e ao cortar-te
a faca de cozinha
sobe a única lágrima
sem mágoa.
Fizeste-nos chorar, mas sem sofrer.
Tudo o que existe celebrei, cebola,
mas para mim és
mais formosa que um pássaro
de plumas ofuscantes,
és para os meus olhos
globo celeste, taça de platina,
baile imóvel
de anémona nevada
 
e a fragrância da terra inteira vive
na tua natureza cristalina.

 *
Um Cão Morreu
*

Meu Cão Morreu
 
Enterrei-o no jardim
junto a uma velha máquina oxidada.
 
Ali, não mais em baixo,
nem mais em cima,
se juntará comigo alguma vez.
Agora ele já se foi com sua pelagem,
sua má educação, seu nariz frio.
E eu, materialista que não crê
no celeste céu prometido
para nenhum humano,
para este cão ou para todo cão
acredito no céu, sim, creio num céu
onde não entrarei, mas ele me espera
abanando sua cauda como um leque
para que eu ao chegar tenha amizades.
 
Ai, não direi a tristeza na terra
por não tê-lo mais como companheiro,
que para mim jamais foi um servidor.
 
Dirigiu-me a amizade de um ouriço
que conservava sua soberania,
a amizade de uma estrela independente
sem mais intimidade que a necessária,
sem exageros:
não subia sobre as minhas vestes
enchendo-me de pelos ou de sarna,
não se esfregava contra os meus joelhos
como outros cães obsessivamente sexuais.
Não, meu cão me olhava
dando-me a atenção de que necessito,
a atenção necessária
para fazer compreender a um vaidoso
que sendo ele um cão,
com esses olhos, mais puros que os meus,
perdia o tempo, porém me olhava
com o olhar que me reservou
toda sua doce, sua peluda vida,
sua vida silenciosa,
perto de mim, sem me incomodar jamais,
e sem me pedir nada.
 
Ai, quantas vezes eu quis ter cauda
andando junto a ele pelas margens
do mar, no inverno de Ilha Negra,
na grande solidão: acima o ar
traspassado de pássaros glaciais,
e meu cão brincando, hirsuto, repleto
de voltagem marinha em movimento:
meu cão vagabundo e olfatório
levantando sua cauda dourada
frente a frente ao Oceano e sua espuma.
 
Alegre, alegre, alegre
como os cães sabem ser felizes,
sem nada mais, com o absolutismo
da natureza descarada.
 
Não há adeus ao meu que se encontra morto.
E não há nem houve mentira entre nós.
 
Já se foi e o enterrei, e isso foi tudo.

                               *

Quero apenas cinco coisas
     *
Quero apenas cinco coisas...
Primeiro é o amor sem fim
A segunda é ver o outono
A terceira é o grave inverno
Em quarto lugar o verão
A quinta coisa são teus olhos

Não quero dormir sem teus olhos.
Não quero ser... sem que me olhes.
Abro mão da primavera para que continues me olhando.

       *

 (Post by Zé Marrana)



segunda-feira, 24 de outubro de 2022

PABLO NERUDA: 20 POEMAS DE AMOR E UMA CANÇÃO DESESPERADA

É um livrinho pequeno, em contraste absoluto com a grandiosidade do seu autor. Foi escrito em 1924, mas a 1ª edição portuguesa ocorreu apenas em Dezembro de 1971, talvez de propósito, visto ter sido um ano mágico para mim, no que aos amores diz respeito: «De novo pensamos na injustiça do destino! Grandes injustos somos! Pois se nos amamos..! Mas... injustos? Pois se nos amamos..., porque teremos que viver sempre estes momentos tristes da distância?!!! Queria escrever coisas belas, reviver momentos belos, anteviver um futuro belo..! Mas não consigo pensar em beleza! A verdade suplanta-a e resta-me a solidão triste que terei de enfrentar. A música corre..., a NOSSA música, que ouvimos tantas vezes entregues à imagem um do outro! Estou desesperada, reconhecida, esperançada! Tudo é muito confuso, caótico! Surgem-me pensamentos sem ligação numa doação total ao que sinto por ti! Não digo adeus..! Não é palavra para dois seres que se amam! Um grande beijo, um beijo eterno, muito meigo... até... até... até quando quiseres, porque sou tua a todo o momento!» (Letícia Peres, Lisboa, 29 de Setembro de 1971)

"20 Poemas de Amor e uma Canção Desesperada", uma edição bilingue e ilustrada, com tradução de Fernando Assis Pacheco, é consequentemente um dos livros da minha vida, que tenho a necessidade de ter sempre à mão. Presentemente tenho comigo a sétima edição, publicada em Maio de 1977. Aquela primeira edição ofereci-a à mesma pessoa que escreveu as palavras acima referidas, 22 anos depois, e com a seguinte dedicatória: «Existem amores, vagos e fugidios, que duram apenas 3 dias. Mas há outros, raros e preciosos, que o tempo e a saudade alimentam e que duram toda a vida.»


TAMBÉM ESTE CREPÚSCULO...

 

        Também este crepúsculo nós perdemos.

        Ninguém nos viu hoje à tarde de mãos dadas

        enquanto a noite azul caía sobre o mundo.

 

        Olhei da minha janela

        a festa do poente nas encostas ao longe.

 

        Às vezes como uma moeda

        acendia-se um pedaço de sol nas minhas mãos.

 

        Eu recordava-te com a alma apertada

        por essa tristeza que tu me conheces.

 

        Onde estavas então?

        Entre que gente?

        Dizendo que palavras?

        Porque vem até mim todo o amor de repente

        quando me sinto triste, e te sinto tão longe?

 

        Caiu o livro em que sempre pegamos ao

                                                          [crepúsculo

        e como um cão ferido rodou a minha capa aos

                                                                   [pés.

 

        Sempre, sempre te afastas pela tarde

        para onde o crepúsculo corre apagando estátuas.


(Pablo Neruda, 1924)

(Post by Jota Marques)

sexta-feira, 14 de outubro de 2022

AS MEMÓRIAS DE PABLO NERUDA


BIOGRAFIA 
(Por Dilva Frazão - bibliotecária e professora)

 

Pablo Neruda (1904-1973) foi um poeta chileno, considerado um dos mais importantes escritores em língua castelhana. Recebeu o Prémio Nobel de Literatura em 1971.

Pablo Neruda, pseudónimo de Ricardo Eliécer Neftali Reyes, nasceu na cidade de Parral, no Chile, no dia 12 de Julho de 1904. Filho de um ferroviário e de uma professora ficou órfão de mãe logo ao nascer. Passou a infância em Temuco, no sul do país. Com sete anos ingressa no Liceu, e ainda na época escolar publica seus primeiros poemas no periódico A Manhã.

Em 1919, Neruda obteve o 3° lugar nos Jogos Florais de Maule, com o poema “Nocturno Ideal”. Ainda na adolescência, adotou o nome de Pablo Neruda, inspirado no escritor tcheco Jan Neruda. Em 1920, começa a escrever para a revista literária “Selva Austral”, já usando o pseudónimo de Pablo Neruda.

Primeiras Publicações

Em 1921, Neruda muda-se para Santiago, onde ingressa no curso de francês no Instituto Pedagógico da Universidade do Chile. Nesse mesmo ano, ganha o prêmio da Festa da Primavera com o poema “A Canção da Festa”. Em 1923, reúne os seus poemas em “Crepusculário”. Em 1924 publica “Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada”, a obra, repleta de lirismo, que faz de Neruda um dos mais famosos poetas chilenos.

Carreira Diplomática

Em 1927, Pablo Neruda inicia a carreira diplomática, após ser nomeado cônsul-geral do Chile em Rangum (hoje Yangon) e na Birmânia (hoje Myanmar). Durante os cinco anos seguintes representou seu país no Siri Lanka, Java e Singapura.

Em 1933, Pablo Neruda escreve uma das suas principais obras, “Residência em la Tierra", em que emprega imagens e recursos próprios do surrealismo. O tom do livro é de profundo pessimismo em torno de temas como ruína, desintegração e morte, exprimindo a visão de um mundo caótico.

Depois de breve estada em Buenos Aires, onde conhece o poeta Federico Garcia Lorca, Neruda serviu como cônsul na Espanha, primeiro em Barcelona e depois em Madrid. A Guerra Civil Espanhola, inspira-lhe a obra “España em el Corazón” (1937), tendo determinado uma mudança na atitude do poeta, que aderiu ao marxismo e decidiu consagrar sua vida e obra em defesa dos ideais políticos e sociais inspirados no comunismo.

Exílio

Em 1938, Neruda retorna ao Chile. Depois de breve período como embaixador no México, em 1945, foi eleito senador pelo Partido Comunista. Em 1948, o governo decreta a ilegalidade do partido. Neruda critica o tratamento dado aos trabalhadores das minas, na presidência do Gonzáles Videla, é perseguido exila-se na Europa, inclusive na União Soviética. Nessa época, escreveu outra das suas grandes obras, “Canto General” (1950).

Regresso ao Chile

Em 1952, quando o governo chileno restabeleceu as liberdades políticas, Neruda regressa ao país e fixa residência em Isla Negra, no Pacífico. Nessa época, a sua obra adquiriu grande diversidade com a publicação de “Odas Elementales” (1954), onde canta a vida cotidiana, com “Cien Sonetos de Amor” (1959) e “Memorial de Isla Negra” (1964) onde evoca o amor e a nostalgia do passado. Em “A Espada Incendiada” (1970) o autor reafirmava seu compromisso com a ideologia político-social.

Em 1971, Pablo Neruda foi nomeado embaixador do Chile em Paris. Em 1972, já doente, retorna para Santiago. Em 1973, um golpe militar derruba o presidente Salvador Allende, instalando-se uma ditadura militar no Chile. Passados 12 dias do golpe, Pablo Neruda morre a 23 de Setembro com 69 anos.


Prémios e Honrarias Recebidos por Pablo Neruda:

  • Prémio Lenin da Paz (1953)
  • Doutor Honoris Causa da Universidade de Oxford (1965)
  • Prémio Nobel de Literatura (1971)


Saudade 
(Poema de Pablo Neruda)


Saudade é solidão acompanhada,

é quando o amor ainda não foi embora,

mas o amado já...

Saudade é amar um passado que ainda não passou,

é recusar um presente que nos machuca,

é não ver o futuro que nos convida...

Saudade é sentir que existe o que não existe mais...

Saudade é o inferno dos que perderam,

é a dor dos que ficaram para trás,

é o gosto de morte na boca dos que continuam...

Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade:

aquela que nunca amou.

E esse é o maior dos sofrimentos:

não ter por quem sentir saudades,

passar pela vida e não viver.

O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido.

 

Principais Obras de Pablo Neruda:

  • Crepusculário (1923)
  • Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada (1924)
  • Tentativa del Hombre Infinito (1925)
  • Residência na Terra (1933)
  • Espanha no Coração (1937)
  • Canto General (1950)
  • Odas Elementales (1954)
  • As Uvas e o Vento (1954)
  • Cem Sonetos de Amor (1959)
  • Poemas (1961)
  • Memorial de la Isla Negra (1964)
  • A Espada Incendiada (1970)
  • O Mar e os Sinos (1973)
  • Confesso Que Vivi (1974)

 (Post by Jota Marques)