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domingo, 13 de novembro de 2022

ANA LUISA AMARAL ~ O Regresso do Filho Pródigo

 ANA LUÍSA AMARAL
(abril 1956 - agosto 2022)
§
'poesia'

«ÁGORA »
Livro ~ Novembro 2019 ~ Assírio & Alvim
(Cartonado/Capa dura/142 pags)

*
(…uma classificação 5/5)



§

O OUTRO FILHO
(IRMÃO DO PRÓDIGO)

« O vitelo mais gordo»
disse o pai. Mas era para o outro
que falava

E ele interrogou-se confundido,
o coração pesado de negócios,
esquecido de viagens e sonhos
por fazer

Deve ser coisa estranha
a lealdade,
como penoso o ofício 
de amar

Perdida a juventude
entre contas e servos,
entre terras vedadas e cega obediência
que lhe restava

senão juntar-se à festa
e comer do vitelo
e fingir alegria
em pródigos sorrisos?


O regresso do filho pródigo (desenho) Rembrandt, 1642

§

(1) ágora: praça pública das antigas cidades gregas, geralmente de formato quadrangular, que era utilizada sobretudo como lugar de reunião e de mercado

(2) filho pródigo: indivíduo arrependido que regresso ao seio da família, depois de ter partido e levado vida desregrada 



(Post by Zé Marrana)

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

ÁGORA e SALOMÉ e ANA

ÁGORA
(Principal praça pública nas cidades da Grécia antiga) 

Ana Luisa Amaral

~ * ~

SALOMÉ

(Salomé, Henri Regnault,1870)
*
SALOMÉ ANTES DO CRIME

Mesmo pensada, 
a traição tem sabor 
que dulcifica

Como bater de remos
ou pequenas aragens 
invade o coração

Protegida na escuridão 
da mente 
ganha fulgores 
de coisa desejada

Ama 
nos extremos 
do saber

~ * ~

(Heródias com a cabeça de João Batista, Elisabetta Sirani, c. 1650)

*

A EXECUÇÃO

aqui está, minha filha: 

tu desejaste 
e eu Executei

e ela Pintou-o 
entre gesto e anseio

e deu -me 
esta tristeza assim, 
partida ao meio 

e um sorriso suspenso 
e um olhar 

de menos vida 
que a vida Dele

ausente

~ * ~

(Salomé com a cabeça de João Batista, Andreia Solárioi, c. 1506-1507)
*
SALOMÉ APÓS O CRIME

Quantas vezes te vi 
e me surpreendi porque te olhava? 
sentindo a tentação de te espiar 
e o desejo de amar 
o que não tinha

Como saber 
pelos sonhos mais nus 
que me assaltavam 
que eu não era paisagem para ti?

Dizem luxúria só
onde houver amor 
e um crime tão enorme de luxúria: 
mas eu quis-te indefeso 
como festa, 
os teus lábios a festa para mim 

Quantas vezes me vi 
pensando no meu crime 
e na história dos homens 
a julgar-me! 

Mas o que eu li 
na bandeja do crime 
foram os olhos com que tu 
me olhavas 
(finalmente eu paisagem) 

e a luxúria 
que há sempre 
no amor

~ * ~

 Ana Luísa Amaral nasceu a 5 de abril de 1956, em Lisboa. 

Autora de mais de três dezenas de livros, entre poesia, teatro, ficção, infantis e de ensaio, a sua obra está traduzida e publicada em diversos países. 

Obteve várias distinções e prémios em Portugal e no estrangeiro, como a Medalha da Cidade de Paris, a Medalha de Ouro da Câmara Municipal do Porto, por serviços à Literatura, o Prémio Literário Correntes d’Escritas, o Premio de Poesía Fondazione Roma, o Grande Prémio de Poesia da APE, o Prémio PEN de Ficção, o Prémio Vergílio Ferreira, ou, ainda, o Prémio Rainha Sofia de Poesia Iberoamericana. 

Traduziu diferentes poetas, como Emily Dickinson, William Shakespeare ou Louise Glück. Foi professora jubilada da Faculdade de Letras do Porto e membro sénior do Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa, onde trabalhou nas áreas de poéticas comparadas e estudos feministas. 

Morreu a 5 de agosto de 2022.

*

Prémio Rainha Sofia de Poesia Ibero-americana. (2021)
*

~ Novembro 2019 ~ Assírio & Alvim ~ 

*

(Post by Zé Marrana)

sexta-feira, 21 de outubro de 2022

ANA LUISA AMARAL


O Olhar Diagonal das Coisas

(Poesia reunida)

¨*¨

Ana Luísa Amaral

(5 de abril de 1956 - 5 de agosto de 2022)

¨*¨

Ana Luísa Amaral nasceu a 5 de abril de 1956, em Lisboa. Autora de mais de três dezenas de livros, entre poesia, teatro, ficção, infantis e de ensaio, a sua obra está traduzida e publicada em diversos países. Obteve várias distinções e prémios em Portugal e no estrangeiro, como a Medalha da Cidade de Paris, a Medalha de Ouro da Câmara Municipal do Porto, por serviços à Literatura, o Prémio Literário Correntes d’Escritas, o Premio de Poesía Fondazione Roma, o Grande Prémio de Poesia da APE, o Prémio PEN de Ficção, o Prémio Vergílio Ferreira, ou, ainda, o Prémio Rainha Sofia de Poesia Iberoamericana. Traduziu diferentes poetas, como Emily Dickinson, William Shakespeare ou Louise Glück. Foi professora jubilada da Faculdade de Letras do Porto e membro sénior do Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa, onde trabalhou nas áreas de poéticas comparadas e estudos feministas. Morreu a 5 de agosto de 2022.

¨*¨

O Olhar Diagonal das Coisas

Editor: Assírio & Alvim
Edição: maio de 2022

Estes são poemas de precisão, questionamento e de receitas para várias crises: «O Olhar Diagonal das Coisas» reúne os 17 livros de poesia de Ana Luísa Amaral, trinta anos em verso, inaugurados por «Minha Senhora de Quê (1990)», até ao mais recente «Mundo (2021)»

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¨*¨

Como se fosse o último dia

Tento empurrar-te de cima do poema
para não o estragar na emoção de ti:
olhos semicerrados, em precauções de tempo
a sonhá-lo de longe, todo livre sem ti.
 
Dele ausento os teus olhos, sorriso, boca, olhar:
tudo coisas de ti, mas coisas de partir…
E o meu alarme nasce: e se morreste aí,
no meio de chão sem texto que é ausente de ti?
 
E se já não respiras? Se eu não te vejo mais
por te querer empurrar, lírica de emoção?
E o meu pânico cresce: se tu não estiveres lá?
E se tu não estiveres onde o poema está?
 
Faço eroticamente respiração contigo:
primeiro um advérbio, depois um adjectivo,
depois um verso todo em emoção e juras.
E termino contigo em cima do poema,
presente indicativo, artigos às escuras.
 

© Ana Luísa Amaral


© Foto de Yi Chang

¨*¨

Metafísico Fruto


Um fruto reticente é a saudade:
a pele custosa à faca, olhos como
cavernas onde a faca não chega e
uma arte cirúrgica é precisa.
 
Não posso permiti-la no caixote
a insistir-me a alma. Por isso
 
insisto a arte e a minha perícia
em lhe arrancar a pele, os olhos
reticentes de Sibila.
 
Às fatias depois — tarefa
igual —

¨*¨


¨*¨

 ILUSIONISMOS

 

Repara, meu amor: são duas da manhã
e eu ainda aqui a começar
(na minha hora que tem sido a hora
onde poemas são e se entrelaçam)
 
São duas da manhã e sem luar:
não sei atravessar-te pelo vidro
e criar-te metáfora de brilho
 
São duas da manhã e o céu
tão escuro como carvão-carvão:
onde vou inventar pequenos seixos
para fazer fogueira que te escorra?

 


(Post by Zé Marrana)