quarta-feira, 26 de outubro de 2022

PABLO NERUDA

*

PABLO NERUDA 

e
4 Poemas ...dos meus preferidos 

  *  
ODE AO PÃO

*

Pão,
Com farinha
Água
E fogo
Te levantas.
Espesso e leve,
Reclinado e redondo,
Repetes
O ventre da mãe,
Equinocial
Germinação
Terrestre.
Pão,
Que fácil
E que profundo tu és:
No tabuleiro branco
Da padaria
Estendem-se as tuas filas
Como utensílios, pratos
Ou papéis,
E de súbito a onda
Da vida,
A conjunção do germe
E do fogo,
Cresces, cresces
De súbito
Como

Cintura, boca, seios,
Colinas da terra,
Vidas,
Sobe o calor,
inunda-te
A plenitude,
o vento
Da fecundidade,
E então
Imobiliza-se a tua cor de ouro,
E quando já estão prenhes
Os teus ventres
A cicatriz escura
Deixou sinal de fogo
Em todo o teu dourado
Sistema de hemisférios.
Agora intacto és
Ação de homem
Milagre repetido, vontade da vida.
Ó pão de cada boca

Não Te imploraremos
Nós, os homens,
Não somos mendigos
De vagos deuses
Ou de anjos obscuros:
Do mar e da terra
Faremos pão,
Plantaremos de trigo
A terra e os planetas
O pão de cada boca
De cada homem, em cada dia
Chegará porque fomos
Semeá-lo e fazê-lo,
Não para um homem,
Mas para todos,
O pão, o pão
Para todos os povos
E com ele o que possui
Forma e sabor de pão
Repartiremos: a terra,
A beleza, O amor,
Tudo isso
Tem sabor de pão,
Forma de pão,
Germinação de farinha,
Tudo
Nasceu para ser compartilhado,
Para ser entregue,

Para se multiplicar,
Por isso, pão,
Se foges
Da casa do homem,
Se te escondem,
Se te negam,
Se o avarento
Te prostitui,
Se o rico
Te armazena,
Se o trigo
Não procura sulco e terra,
Pão,
Não rezaremos,
Pão,
Não mendigaremos,
Lutaremos por ti

Com outros homens,
Com todos os famintos,
Por todos os rios, pelo ar
Iremos procurar-te,
A terra toda repartiremos
Para que tu germines,
E conosco
Avançará a terra:
A água, o fogo, o homem
Lutarão junto a nós.

Iremos coroados
De espigas, conquistando
Terra e pão para todos,
E então,
Também a vida
Terá forma de pão,
Será simples e profunda,
Inumerável e pura.
Todos os seres terão direito
À terra e à vida,
E assim será o pão de amanhã,
O pão de cada boca,
Sagrado,
Consagrado,
Porque será o produto
Da mais longa e dura
Luta humana.
Não tem asas
A vitória terrestre:
Tem pão sobre os seus ombros,
E voa corajosa
Libertando a terra
Como uma padeira
Levada pelo vento.

 * 
ODE À CEBOLA
*

Cebola,
luminosa redoma,
pétala a pétala
formou-se a tua formosura,
escamas de cristal te acrescentaram
e no segredo da terra sombria
arredondou-se o teu ventre de orvalho.
Sob a terra
deu-se o milagre
e quando apareceu
teu rude caule verde,
e nasceram
as tuas folhas como espadas no horto
a terra acumulou seu poderio
mostrando a tua nua transparência,
e como em Afrodite o mar distante
duplicou a magnólia
levantando-lhe os seios,
a terra
fez-te assim,
cebola,
clara como um planeta,
e destinada
a reluzir,
constelação constante,
redonda rosa de água,
sobre
a mesa
dos pobres.
 
Generosa
desfazes
teu globo de frescura
na consumação
fervente do cozido,
e o girão de cristal
ao calor inflamado do azeite
transforma-se em ondulada pluma de ouro.
 
Recordarei também como a tua influência
fecunda o amor da salada
e parece que contribui o céu
dando-te a fina forma do granizo
a celebrar a tua luz picada
sobre os hemisférios de um tomate.
Mas ao alcance
das mãos do povo,
regada com azeite,
polvilhada
com um pouco de sal,
matas a fome
do jornaleiro no duro caminho.
Estrela dos pobres,
fada madrinha
envolta
em delicado
papel, tu sais do solo,
eterna, intacta, pura
como semente de astros,
e ao cortar-te
a faca de cozinha
sobe a única lágrima
sem mágoa.
Fizeste-nos chorar, mas sem sofrer.
Tudo o que existe celebrei, cebola,
mas para mim és
mais formosa que um pássaro
de plumas ofuscantes,
és para os meus olhos
globo celeste, taça de platina,
baile imóvel
de anémona nevada
 
e a fragrância da terra inteira vive
na tua natureza cristalina.

 *
Um Cão Morreu
*

Meu Cão Morreu
 
Enterrei-o no jardim
junto a uma velha máquina oxidada.
 
Ali, não mais em baixo,
nem mais em cima,
se juntará comigo alguma vez.
Agora ele já se foi com sua pelagem,
sua má educação, seu nariz frio.
E eu, materialista que não crê
no celeste céu prometido
para nenhum humano,
para este cão ou para todo cão
acredito no céu, sim, creio num céu
onde não entrarei, mas ele me espera
abanando sua cauda como um leque
para que eu ao chegar tenha amizades.
 
Ai, não direi a tristeza na terra
por não tê-lo mais como companheiro,
que para mim jamais foi um servidor.
 
Dirigiu-me a amizade de um ouriço
que conservava sua soberania,
a amizade de uma estrela independente
sem mais intimidade que a necessária,
sem exageros:
não subia sobre as minhas vestes
enchendo-me de pelos ou de sarna,
não se esfregava contra os meus joelhos
como outros cães obsessivamente sexuais.
Não, meu cão me olhava
dando-me a atenção de que necessito,
a atenção necessária
para fazer compreender a um vaidoso
que sendo ele um cão,
com esses olhos, mais puros que os meus,
perdia o tempo, porém me olhava
com o olhar que me reservou
toda sua doce, sua peluda vida,
sua vida silenciosa,
perto de mim, sem me incomodar jamais,
e sem me pedir nada.
 
Ai, quantas vezes eu quis ter cauda
andando junto a ele pelas margens
do mar, no inverno de Ilha Negra,
na grande solidão: acima o ar
traspassado de pássaros glaciais,
e meu cão brincando, hirsuto, repleto
de voltagem marinha em movimento:
meu cão vagabundo e olfatório
levantando sua cauda dourada
frente a frente ao Oceano e sua espuma.
 
Alegre, alegre, alegre
como os cães sabem ser felizes,
sem nada mais, com o absolutismo
da natureza descarada.
 
Não há adeus ao meu que se encontra morto.
E não há nem houve mentira entre nós.
 
Já se foi e o enterrei, e isso foi tudo.

                               *

Quero apenas cinco coisas
     *
Quero apenas cinco coisas...
Primeiro é o amor sem fim
A segunda é ver o outono
A terceira é o grave inverno
Em quarto lugar o verão
A quinta coisa são teus olhos

Não quero dormir sem teus olhos.
Não quero ser... sem que me olhes.
Abro mão da primavera para que continues me olhando.

       *

 (Post by Zé Marrana)



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