segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

"OFÉLIA" ~ ARTHUR RIMBAUD

 

Arthur Rimbaud (1854-1891) foi um poeta francês que exerceu grande influência na poesia do século XX. Considerado um dos precursores da poesia moderna, nasceu em Charleville, França, no dia 20 de Outubro de 1854. Filho de um capitão de infantaria e de uma camponesa, teve uma educação bastante conservadora. Ainda criança começa a escrever as suas poesias, que foram reunidas em 1869, quando ele tinha apenas 15 anos. Em 1870, frequenta o Colégio de Charleville, onde faz amizade com Georges Iszambard, seu professor de retórica, que o incentiva na leitura dos poetas Rabelais, Victor Hugo e Théodore de Banville. A amizade com o professor era reprovada pela mãe. Nesse mesmo ano deu início a uma série de viagens, revelando o seu espírito aventureiro. Assim, com 16 anos apenas, viaja para Paris sem a autorização da mãe. Nessa época a França e a Prússia estavam em guerra. Rimbaud é preso mas com a intervenção do professor consegue ser libertado. De volta a Charleville vai morar na casa de uma amiga da família de Izambard. Em 1871, entre várias fugas, viaja para Paris, onde conhece o poeta Paul Verlaine, para quem havia remetido o poema “Soneto de Vogais”, que o acolhe em sua casa. É o início de uma conflituosa relação homossexual que chocou a sociedade da época.


Em 1872 Verlaine abandona mulher e filhos e vai com Rimbaud para Londres, onde iniciam uma vida boémia e desregrada. Em Abril de 1873, Rimbaud volta para a sua cidade natal, onde começa a escrever “Uma Temporada no Inferno”. Em Junho acompanha Verlaine, mais uma vez, numa viagem a Londres. Após muitas brigas, os dois separam-se e só se reencontram em Bruxelas, onde Rimbaud tenta romper a relação com Verlaine. Este chega a disparar contra o amante sob o efeito do álcool, ferindo-o na mão. Em consequência, Verlaine é condenado pela justiça da Bélgica a dois anos de prisão. De volta a Charleville, Rimbaud publica “Uma Temporada no Inferno” (1873), que reúne nove poemas em prosa. A obra foi considerada um marco da história da poesia e influenciou vários poetas modernos e muitos movimentos da contracultura do século XX. Em 1874 Rimbaud está de volta a Londres, desta vez em companhia do poeta Germain Nouveau. Nessa época publica “Iluminações”. Com apenas 20 anos, Rimbaud deixa de escrever e decide começar a trabalhar no comércio de café na Etiópia. Entra para o exército das colónias holandesas, mas em 1876 resolve desertar, e volta uma vez mais para a sua cidade natal. No ano seguinte viaja por diversas cidades. Em 1885, envolve-se com o tráfico de armas. Arthur Rimbaud vem a morrer em Marselha, França, vitimado por um cancro na perna, no dia 10 de Novembro de 1891. Tinha 37 anos.



 OFÉLIA

I.

Na onda calma e negra, entre os astros e os céus

A branca Ofélia, como um grande lírio, passa

Flutua lentamente e dorme em longos véus…

– Longe, no bosque, o caçador chamando a caça.


Mais de mil anos faz que a triste Ofélia abraça

Fantasma branco, o rio negro em que perdura

Mais de mil anos: toda noite ela repassa

À brisa a romança que em delírio murmura.

 

Beija-lhe o seio o vento e liberta em corola

Os grandes véus nas águas acalentadoras

Sobre os seus ombros o salgueiro se desola

Reclina-se o caniço à fronte sonhadora.

 

Nenúfares feridos suspiram por perto

Às vezes ela acorda, em vidoeiro ocioso

Um ninho de onde vem tremor de um vôo incerto:

– De astros dourados desce um canto misterioso.

 

II.

Morreste sim, menina que um rio carrega

Ó pálida Ofélia, tão bela como a neve!

– É que algum vento montanhês da Noruega

Contou que a liberdade é rude, mas é leve.

 

– É que um sopro, liberta a cabeleira presa

Em teu espírito estranhos sons fez nascer

E em teu coração logo ouviste a Natureza

No queixume da árvore e do anoitecer.

 

– É que a voz do mar furioso, tumulto impávido

Rasgou teu seio de menina, humano e doce

– E em manhã de Abril, certo cavalheiro pálido

Um belo e pobre louco, aos teus pés se ajoelhou.

 

E aí o céu, o amor: – Que sonho, pobre louca!

Ante eles era a neve, desmaiando à luz

Visões estrangulavam-te a fala na boca

O Infinito aterrava os teus olhos azuis!

 

III.

– E o Poeta diz que sob os raios das estrelas

Procuras toda noite as flores em delírio

E diz que viu na água, entre véus, a colhê-las

Vogar a branca Ofélia como um grande lírio.

"Ofélia", de Alexandre Cabanel

I

Sur l’onde calme et noire où dorment les étoiles

La blanche Ophélia flotte comme un grand lys

Flotte très lentement, couchée en ses longs voiles…

– On entend dans les bois lointains des hallalis.

 

Voici plus de mille ans que la triste Ophélie

Passe, fantôme blanc, sur le long fleuve noir

Voici plus de mille ans que sa douce folie

Murmure sa romance à la brise du soir.

 

Le vent baise ses seins et déploie en corolle

Ses grands voiles bercés mollement par les eaux 

Les saules frissonnants pleurent sur son épaule

Sur son grand front rêveur s’inclinent les roseaux.

 

Les nénuphars froissés soupirent autour d’elle 

Elle éveille parfois, dans un aune qui dort

Quelque nid, d’où s’échappe un petit frisson d’aile:

– Un chant mystérieux tombe des astres d’or.

 

II

O pâle Ophélia ! belle comme la neige!

Oui tu mourus, enfant, par un fleuve emporté!

C’est que les vents tombant des grand monts de Norwège

T’avaient parlé tout bas de l’âpre liberté.

 

C’est qu’un souffle, tordant ta grande chevelure

À ton esprit rêveur portait d’étranges bruits

Que ton coeur écoutait le chant de la Nature

Dans les plaintes de l’arbre et les soupirs des nuits.

 

C’est que la voix des mers folles, immense râle

Brisait ton sein d’enfant, trop humain et trop doux

C’est qu’un matin d’avril, un beau cavalier pâle

Un pauvre fou, s’assit muet à tes genoux!

 

Ciel ! Amour ! Liberté ! Quel rêve, ô pauvre Folle!

Tu te fondais à lui comme une neige au feu:

Tes grandes visions étranglaient ta parole

– Et l’Infini terrible éffara ton oeil bleu!

 

III

– Et le Poète dit qu’aux rayons des étoiles

Tu viens chercher, la nuit, les fleurs que tu cueillis

Et qu’il a vu sur l’eau, couchée en ses longs voiles

La blanche Ophélia flotter, comme un grand lys.

 

Nota: A história de Ofélia, personagem da obra Hamlet de William Shakespeare (1599-1601), foi fonte de inspiração para o poema de Arthur Rimbaud (1870). Ofélia é uma jovem da alta nobreza da Dinamarca, filha de Polônio e noiva do Príncipe Hamlet, que busca o amor e a liberdade. Abandonada pelo príncipe, enlouquece, afogando-se em desespero. No seu poema, Rimbaud ressalta e liga a mãe Natureza em harmonia universal à figura mítica de Ofélia, proporcionando uma sensação de paz e serenidade. Ofélia tem sido representada em livros, novelas, filmes, músicas, ciência e arte de diversos pintores.

(Post by Jota Marques)

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