Editora: Fólio Exemplar (Agosto 2012)
Tradução de Margarida Gil Moreira
Capa: Sobre pintura de Sofia Ribeiro
Dimensões: 140 X 250 x 6 mm
Nº de páginas: 100
ISBN: 978-989-838-208-5
Quando, em Setembro de 1871, Arthur Rimbaud bateu à porta de Paul Verlaine, não imaginava a vertigem de poesia, boémia e absinto em que mergulhariam juntos. Uma coisa é certa: com o absinto e com Verlaine, a poesia de Rimbaud mudou. Há um Rimbaud pré-Verlaine, até "Le Bateau Ivre", e há o Rimbaud de que este livro é exemplo, introspectivo e existencial, subversivo na forma e na sua quase sempre esplêndida opacidade. Podemos fugir com Rimbaud, que se foi esconder no deserto africano, mas, ao lermos "Uma Temporada no Inferno", a miragem da explicação autobiográfica torna-se obsidiante: como escapar à tentação de ver na Virgem louca a silhueta de Verlaine? Como escapar a ver nos demónios, satanás, infernos de cada verso, o turbilhão de alucinações que assombrou e aterrou o ainda tão novo Rimbaud, a sua tendresse de apenas 18 anos? Este livro negro, como Rimbaud o designou numa carta para Ernest Delahaye, é agora publicado em versão bilingue.
“Une Saison en Enfer” (1873) é a mais famosa obra de
Rimbaud (1854-1891), na qual exprime o drama da sua vida e da sua obra, numa
verdadeira descida aos infernos. Em Adeus, o último trecho do livro resume a
tragédia de alguém que quisera descobrir uma poesia nova ao cultivar as
sensações, e apenas obtivera um caos de imagens. Protótipo do poeta revoltado
em busca de outras paragens, recusa Deus e agarra-se à realidade humana:
O Outono. A nossa barca fundada nas brumas imóveis dirige-se para o porto da miséria, a enorme cidade no céu maculado de fogo e lama. Ah! os andrajos putrefactos, o pão ensopado de chuva, a bebedeira, os mil amores que me crucificaram! Então nunca mais acaba este vampiro, que reina sobre milhões de almas e de corpos mortos e que serão julgados! Revejo-me com a pele remordida pela lama e pela peste, com vermes enchendo-me os cabelos e as axilas e outros ainda maiores no coração, estendido entre desconhecidos sem idade, sem sentimento... Podia ter morrido ali... Que pavorosa evocação! Abomino a miséria!
E receio o Inverno por ser a estação do conforto!
- Por vezes, vejo no céu praias sem fim cobertas de alvas nações em regozijo. Uma grande nau de ouro, por cima de mim, desfralda os seus panos multicores à brisa da manhã. Criei todas as festas, todos os triunfos, todos os dramas. Tentei inventar novas flores, novos astros, novas carnes, novos idiomas. Pensei poder adquirir poderes sobrenaturais. Pois bem! Tenho de enterrar a minha imaginação e as minhas recordações! Uma bela glória de artista e de contador de histórias destruída!
Eu!, que me intitulei mago ou anjo, dispensado de qualquer moral, restituído ao chão, em demanda de um dever, e a áspera realidade para estreitar! Pacóvio!
Engano-me? Seria a caridade irmã da morte, para mim?
Enfim, pedirei perdão por me ter alimentado de mentiras. Vamos.
Mas nem uma mão amiga! E onde buscaria ajuda?
- Ah, amaldiçoados, se eu me vingasse...!
É preciso ser-se totalmente moderno.
Nada de cânticos: há que conservar o terreno ganho. Dura noite! O sangue seco fumega sobre o meu rosto, e nada tenho atrás de mim a não ser este horrível arbusto!... O combate espiritual é tão brutal como a batalha dos homens; mas a visão da justiça só para Deus é prazer.
Não obstante, é a vigília. Recebamos todos os influxos de vigor e de ternura verdadeira. E, ao raiar da aurora, munidos de uma ardente paciência, entraremos nas cidades esplêndidas.
O que dizia eu de mãos amigas? A vantagem é que posso rir dos velhos amores enganosos, e encher de vergonha esses casais mentirosos, - eu bem vi o inferno das mulheres lá em baixo; - e ser-me-á permitido possuir a verdade num corpo e numa alma.»
(Post by Jota Marques)
Sem comentários:
Enviar um comentário
Diga bem, diga mal, mas dê-nos a sua opinião: ela é muito importante para nós!