sexta-feira, 21 de outubro de 2022

ANA LUISA AMARAL


O Olhar Diagonal das Coisas

(Poesia reunida)

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Ana Luísa Amaral

(5 de abril de 1956 - 5 de agosto de 2022)

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Ana Luísa Amaral nasceu a 5 de abril de 1956, em Lisboa. Autora de mais de três dezenas de livros, entre poesia, teatro, ficção, infantis e de ensaio, a sua obra está traduzida e publicada em diversos países. Obteve várias distinções e prémios em Portugal e no estrangeiro, como a Medalha da Cidade de Paris, a Medalha de Ouro da Câmara Municipal do Porto, por serviços à Literatura, o Prémio Literário Correntes d’Escritas, o Premio de Poesía Fondazione Roma, o Grande Prémio de Poesia da APE, o Prémio PEN de Ficção, o Prémio Vergílio Ferreira, ou, ainda, o Prémio Rainha Sofia de Poesia Iberoamericana. Traduziu diferentes poetas, como Emily Dickinson, William Shakespeare ou Louise Glück. Foi professora jubilada da Faculdade de Letras do Porto e membro sénior do Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa, onde trabalhou nas áreas de poéticas comparadas e estudos feministas. Morreu a 5 de agosto de 2022.

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O Olhar Diagonal das Coisas

Editor: Assírio & Alvim
Edição: maio de 2022

Estes são poemas de precisão, questionamento e de receitas para várias crises: «O Olhar Diagonal das Coisas» reúne os 17 livros de poesia de Ana Luísa Amaral, trinta anos em verso, inaugurados por «Minha Senhora de Quê (1990)», até ao mais recente «Mundo (2021)»

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Como se fosse o último dia

Tento empurrar-te de cima do poema
para não o estragar na emoção de ti:
olhos semicerrados, em precauções de tempo
a sonhá-lo de longe, todo livre sem ti.
 
Dele ausento os teus olhos, sorriso, boca, olhar:
tudo coisas de ti, mas coisas de partir…
E o meu alarme nasce: e se morreste aí,
no meio de chão sem texto que é ausente de ti?
 
E se já não respiras? Se eu não te vejo mais
por te querer empurrar, lírica de emoção?
E o meu pânico cresce: se tu não estiveres lá?
E se tu não estiveres onde o poema está?
 
Faço eroticamente respiração contigo:
primeiro um advérbio, depois um adjectivo,
depois um verso todo em emoção e juras.
E termino contigo em cima do poema,
presente indicativo, artigos às escuras.
 

© Ana Luísa Amaral


© Foto de Yi Chang

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Metafísico Fruto


Um fruto reticente é a saudade:
a pele custosa à faca, olhos como
cavernas onde a faca não chega e
uma arte cirúrgica é precisa.
 
Não posso permiti-la no caixote
a insistir-me a alma. Por isso
 
insisto a arte e a minha perícia
em lhe arrancar a pele, os olhos
reticentes de Sibila.
 
Às fatias depois — tarefa
igual —

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 ILUSIONISMOS

 

Repara, meu amor: são duas da manhã
e eu ainda aqui a começar
(na minha hora que tem sido a hora
onde poemas são e se entrelaçam)
 
São duas da manhã e sem luar:
não sei atravessar-te pelo vidro
e criar-te metáfora de brilho
 
São duas da manhã e o céu
tão escuro como carvão-carvão:
onde vou inventar pequenos seixos
para fazer fogueira que te escorra?

 


(Post by Zé Marrana)

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