O Olhar Diagonal das Coisas
(Poesia reunida)
Ana Luísa Amaral
(5 de abril de 1956 - 5 de agosto de 2022)
Ana Luísa Amaral nasceu a 5 de abril de 1956, em Lisboa. Autora de mais de três dezenas de livros, entre poesia, teatro, ficção, infantis e de ensaio, a sua obra está traduzida e publicada em diversos países. Obteve várias distinções e prémios em Portugal e no estrangeiro, como a Medalha da Cidade de Paris, a Medalha de Ouro da Câmara Municipal do Porto, por serviços à Literatura, o Prémio Literário Correntes d’Escritas, o Premio de Poesía Fondazione Roma, o Grande Prémio de Poesia da APE, o Prémio PEN de Ficção, o Prémio Vergílio Ferreira, ou, ainda, o Prémio Rainha Sofia de Poesia Iberoamericana. Traduziu diferentes poetas, como Emily Dickinson, William Shakespeare ou Louise Glück. Foi professora jubilada da Faculdade de Letras do Porto e membro sénior do Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa, onde trabalhou nas áreas de poéticas comparadas e estudos feministas. Morreu a 5 de agosto de 2022.
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O Olhar Diagonal das Coisas
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Como se fosse o último dia
Tento
empurrar-te de cima do poema
para
não o estragar na emoção de ti:
olhos
semicerrados, em precauções de tempo
a
sonhá-lo de longe, todo livre sem ti.
Dele
ausento os teus olhos, sorriso, boca, olhar:
tudo
coisas de ti, mas coisas de partir…
E
o meu alarme nasce: e se morreste aí,
no
meio de chão sem texto que é ausente de ti?
E
se já não respiras? Se eu não te vejo mais
por
te querer empurrar, lírica de emoção?
E
o meu pânico cresce: se tu não estiveres lá?
E
se tu não estiveres onde o poema está?
Faço
eroticamente respiração contigo:
primeiro
um advérbio, depois um adjectivo,
depois
um verso todo em emoção e juras.
E
termino contigo em cima do poema,
presente
indicativo, artigos às escuras.
© Ana Luísa Amaral
Metafísico Fruto
Um fruto reticente é a saudade:
a pele custosa à faca, olhos como
cavernas onde a faca não chega e
uma arte cirúrgica é precisa.
Não posso permiti-la no caixote
a insistir-me a alma. Por isso
insisto a arte e a minha perícia
em lhe arrancar a pele, os olhos
reticentes de Sibila.
Às fatias depois — tarefa
igual —
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ILUSIONISMOS
Repara, meu amor: são duas da manhã
e eu ainda aqui a começar
(na minha hora que tem sido a hora
onde poemas são e se entrelaçam)
São duas da manhã e sem luar:
não sei atravessar-te pelo vidro
e criar-te metáfora de brilho
São duas da manhã e o céu
tão escuro como carvão-carvão:
onde vou inventar pequenos seixos
para fazer fogueira que te escorra?
Mais uma novidade aqui para o teu parceiro. Thanks!
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