Emily Brontë (1818-1848) |
a dele e a minha são iguais»
“Wuthering Heights” (“O Monte dos Vendavais”, na sua tradução
para português) é uma das obras mais célebres e mais lidas da literatura
inglesa. Único romance da novelista e poetisa Emily Brontë, o livro foi escrito
entre Outubro de 1845 e Junho de 1846, tendo sido editado apenas na segunda
metade de 1847, após o lançamento de “Jane Eyre”, da sua irmã, Charlotte
Brontë. Ao contrário deste último, que se transformou logo de imediato num
enorme sucesso, “Wuthering Heights” foi alvo de duras críticas, especialmente
devidas à crueldade vinculada pela personagem de Heathcliff. Mas, ao longo dos
anos (o tempo, esse eterno juiz, a impor uma vez mais o seu sábio veredicto),
“Wuthering Heights” foi-se tornando extremamente popular, sendo alvo das mais
variadas formas artísticas de adaptação: no cinema, na televisão e na rádio; um
musical, um ballet, 3 óperas, uma canção de grande sucesso mundial (de Kate
Bush, em 1978) e até um jogo de personagens.
Em 1850, dois anos depois da morte da irmã, Charlotte Brontë
publicou uma nova edição, onde não só corrigiu erros de impressão da edição
original, como também reorganizou os parágrafos, alterando de igual modo a
pontuação e, por vezes, o próprio texto. A maioria das edições modernas segue
este texto “melhorado” de Charlotte. Aconselha-se no entanto a edição
portuguesa da Leya-Gailivro (Novembro de 2010), apesar da capa pouco inspirada,
em virtude de o texto ser essencialmente o mesmo da edição original, embora se
tenham corrigido os inúmeros erros da muito pouco cuidada primeira edição. Nesta
edição também se inclui o prefácio de Charlotte Brontë à edição de 1850.
Ler “O Monte dos Vendavais” é uma experiência inesquecível,
uma viagem apaixonante ao mundo rural (condado de Yorkshire) da Inglaterra dos
finais do século XVIII que serve de cenário à paixão, tão bela quanto trágica,
entre Heathcliff e Cathy Earnshaw. Uma história de amor, de obsessão e vingança,
que contamina tudo em seu redor, por causa da sua força tempestuosa e quase
demoníaca, mas que perdura para além da morte. A estação de televisão britânica
UKTV Drama organizou em tempos um estudo sobre a popularidade da literatura
inglesa. Numa lista de vinte títulos, escolhidos por cerca de dois mil
leitores, “Wuthering Heights” foi considerada a maior história de amor de todos
os tempos (com “Orgulho e Preconceito” de Jane Austen em segundo lugar; e,
estranhamente, “Romeu e Julieta” de William Shakespeare em terceiro). Adoptado
em criança pelo patriarca da família Earnshaw, o senhor do Monte dos Vendavais,
Heathcliff (resgatado da miséria numa rua de Liverpool) é ostracizado por Hindley, o filho legítimo, e levado a acreditar
que Catherine, a sua irmã de circunstância, não corresponde à intensidade dos seus sentimentos.
Abandona assim o Monte dos Vendavais para regressar anos mais tarde disposto a
levar a cabo a mais tenebrosa vingança. Magistral na construção da trama
narrativa, na singularidade e força das personagens, na grandeza poética da sua
visão, nodoso e agreste como a raiz da urze que cobre as charnecas de
Yorkshire, “O Monte dos Vendavais” reveste-se da intemporalidade inerente à
grande literatura. Como em todas as épocas, as pessoas e a vida podem ser cruéis e as coisas nem sempre
acabam como seria legítimo desejar. Aliás, o nosso percurso nesta etapa transitória que chamamos vida, não é mais do que o somatório das decisões que vamos tomando a cada instante. Um livro maravilhoso de paixão e ódio amoroso, que pela sua força descritiva se tornou um clássico universal.
Emily Brontë (1818-1848) era uma personalidade fascinante. É
o mínimo que se pode dizer de uma jovem mulher que, sem instrução formal e sem
experiência de vida, conseguiu escrever um dos romances mais estudados da
literatura inglesa. Viveu com as suas duas irmãs, Charlotte e Anne, que
escreveram sob o apelido de Bell (Ellis no caso de Emily). Filhas de um pastor
anglicano de origem irlandesa, Patrick Brontë, cresceram numa região desolada,
num ambiente de perfeita união com a natureza. “Wuthering Heights” é a obra de
uma jovem escritora (tinha 28 anos quando acabou de escrever o livro, vindo a
falecer de tuberculose apenas dois anos depois, a 19 de Dezembro de 1848), de
carácter solitário e sensível, que procurou no silêncio da natureza as
correspondências vibrantes da sua imaginação. O resultado foi esta obra-prima
da literatura mundial.
Das inúmeras adaptações ao cinema, apenas vi quatro: as
versões de 1939, 1954, 1970 e 1992. Se o primeiro, filme de William Wyler, é porventura o mais
conhecido (com Laurence Olivier e Merle Oberon nos papeis principais), e o segundo, de Buñuel, o mais cinemático, a versão de Kosminsky (1992) é
aquela que mais se aproxima do romance original, e onde temos direito a uma
portentosa interpretação de Ralph Fiennes, bem como à excelente música assinada
por Ryuichi Sakamoto. É, de longe, a minha versão favorita, se bem que goste
muito da intérprete inglesa (Anna Calder-Marshall) da versão de 1970 (onde se
pode ver também um Timothy Dalton de 26 anos, no seu segundo papel no cinema).
Aqui chegado, apetece-me perguntar: que nível atingiria esta versão se a
escolha tivesse recaído em Oliver Reed, o grande actor inglês, que por esta
altura se encontrava no seu período de ouro? Julgo que não haveria ninguém mais
indicado para interpretar a personagem apaixonada e violenta de Heathcliff.
Oliver Reed tinha todos os predicados para nos ter podido brindar com uma
interpretação histórica. Mas isso, infelizmente, não aconteceu. Por isso, a
ideia com que se fica, sobretudo para os amantes incondicionais do romance original - onde eu
me incluo - é que ainda está por fazer a versão definitiva de “Wuthering
Heights” que consiga transpor para o grande ecrã toda a força do romance. Por
isso, uma sugestão: vejam os filmes por mera curiosidade, mas, sobretudo, leiam
o livro, porque será este que perdurará para sempre nas vossas memórias.
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