The Shortest History of Europe
JOHN HIRST
JOHN HIRST nasceu em
Adelaide, Austrália, em 1942. Historiador de renome, Professor Emérito da
Universidade La Trobe, em Melbourne, onde foi responsável pelo Departamento de
História, foi membro da direção do National Museum of Austrália. Escreveu
diversos livros sobre a história do país e foi editor da revista Historical Studies.
Hirst era um intelectual e comentarista social, e escrevia regularmente para
vários veículos e publicações populares. Faleceu em 2016.
A civilização europeia
não é a mais antiga da história universal, porém é única e irrepetível porque
soube impor-se como nenhuma outra antes.
Navegou, lutou,
conquistou, evangelizou. Agiu quando mais ninguém arriscou, pelo que a história
da evolução humana se confunde com a europeia.
Este livro expõe -
resumidamente como poucos -, toda a História da Europa. É um livro obrigatório
em qualquer biblioteca. Hoje, todos os países à face da Terra usam as descobertas científicas e as tecnologias de origem europeia.
«Um pequeno livro sábio e luminoso»
*
Ficha Técnica
Título: Breve
História da Europa
Título original: The
Shortest History of Europe
Autor: John Hirst
Tradução: José
Mendonça da Cruz
Revisão: Rita Bento / Inês Hugon
Capa: Dirty White Design
Imagem da capa: © fevereiro 2013
Mapas: Thomas Deverall,
adaptação de Dirty White Design
ISBN: 9789722066822
Publicações Dom Quixote uma editora do grupo LeYa
«Concebido com graça e economia e no
entanto rico em factos, emoção e pormenor, abrangente, provocador e divertido.»
James Button
«Um livrinho sábio e luminoso.»
Peter
Craven, The Sydney Morning Herald
«Prosa fresca, lúcida e evocativa… O equilíbrio de análise e descrição, generalização e abordagem específica é
maravilhosamente sustentado.»
Wilfred
Priest, Australian Book Review
«Fantástico, o livro no seu todo é um
desafio intelectual permanente.»
The Courier
Mail
~*~
INTRODUÇÃO
Se gosta de saltar
até ao fim dos livros para ver o que acontece, vai gostar deste livro. Os
finais começam pouco depois do começo. Aqui conta-se a história da Europa seis
vezes, de um ângulo diferente a cada vez. Estes textos eram originalmente
preleções destinadas à introdução de estudantes universitários ao estudo da
história europeia. Não comecei pelo princípio para ir até ao fim. Proporcionei
aos estudantes uma rápida visão geral e regressei mais tarde e com mais
pormenor. As primeiras duas preleções são um esboço da totalidade da história
Europeia. É realmente uma breve história. As seis preleções seguintes versam
cada uma delas um tema particular. O objetivo é aprofundar a compreensão
mediante a revisão e a análise mais pormenorizada. Uma história tem um enredo:
um princípio, um meio e um fim. Neste sentido, uma civilização não tem
história. Ficamos interessados numa história que conte a ascensão e a queda de
uma civilização, mesmo que essa queda não represente o seu fim. O meu objetivo
aqui é identificar os elementos essenciais da civilização europeia e verificar
como se foram reconfigurando ao longo dos tempos; mostrar como as coisas novas
tomam forma a partir das antigas; como o antigo permanece e retorna. Os livros
de história ocupam-se de muitos factos e de pessoas. Esta é uma das forças da
história e é ela que nos revela a vida. Mas qual é o significado de tudo
aquilo? Quais as coisas realmente importantes? São estas as perguntas que trago
sempre presentes. Muitos factos e pessoas que entram em outros livros de
história não entram neste. As preleções mais pormenorizadas da segunda parte do
livro param por volta de 1800, e isto simplesmente porque quando preparei estas
preleções havia outra disciplina que tratava da Europa pós-1800. Imagine-se a
quantidade de história que fica de fora! Ocasionalmente, pus os olhos mais
adiante, mas, se a abordagem que escolhi der resultados, deverão reconhecer o
mundo em que hoje vivemos, cujas linhas mestras foram traçadas há muito. Depois
da época clássica, o livro ocupa-se principalmente da Europa ocidental. As
várias partes da Europa não têm importância igual na construção da civilização
europeia. O Renascimento, na Itália, a Reforma, na Alemanha, o governo
parlamentar, na Inglaterra, a democracia revolucionária, em França – estes
acontecimentos são mais determinantes do que as partições da Polónia. Recorri
frequentemente à obra de sociólogos históricos, em particular a Michael Mann e
a Patricia Crone. A Professora Crone não é perita em história da Europa; a sua
especialidade é o islão. Mas num livrinho intitulado Sociedades
Pré-Industriais, ela incluiu um capítulo sobre «A singularidade da Europa». É
um tour de force, uma história completa em trinta páginas, quase tão breve como
a minha mais breve história. Esse capítulo enriqueceu-me com o conceito da
construção e reengenharia do cadinho europeu, tal como o exponho nas duas
primeiras preleções. Eis a medida da minha dívida para com ela. Durante alguns
anos, na La Trobe University, em Melbourne, tive a sorte de me tornar colega do
professor Eric Jones, um grande defensor da abordagem panorâmica da história, e
a cujo livro, «O Milagre Europeu», recorri muitas vezes. Não reclamo para este
livro outra originalidade que não a do seu método. Estas preleções foram
oferecidas em primeiro lugar a estudantes australianos que tinham estudado
demasiada história australiana e sabiam muito pouco da civilização a que
pertenciam.
John Hirst
~*~
1
A EUROPA CLÁSSICA E MEDIEVAL
A civilização europeia é ímpar por ser a única que se impôs ao resto do mundo. Fê-lo mediante conquista e colonização; mediante o seu poder económico; mediante o poder das suas ideias; e porque tinha coisas que todos os outros queriam. Hoje, todos os países à face da Terra usam as descobertas científicas e as tecnologias por elas geradas, mas a ciência foi uma invenção europeia.
No seu começo a civilização europeia era
constituída por três elementos: 1. a cultura da Grécia e Roma antigas 2. o
cristianismo, que é um fruto heterodoxo da religião dos judeus, o judaísmo 3. a
cultura dos guerreiros germanos que invadiram o Império Romano. A civilização
europeia era uma mistura, e a importância disto tornar-se-á evidente à medida
que avançarmos.~*~
O Império Romano
teve início quando Augusto César (r. 27 a.C. - 14 d.C.) se tornou o primeiro
imperador de Roma e chegou ao fim, no ocidente, quando o último imperador
romano, Rômulo Augústulo (r. 475-476 d.C.), foi deposto pelo rei germânico
Odoacro (r. 476 - 493 d.C.). No oriente, ele continuou como Império Bizantino
até a morte de Constantino XI (r. 1449-1453) e a queda de Constantinopla ante
os turcos otomanos em 1453. A influência do Império Romano na civilização
ocidental foi profunda, deixando as suas duradouras contribuições em virtualmente
cada aspecto da cultura ocidental.
Os
germanos eram iletrados e não deixaram registos escritos, dispondo nós,
portanto, de muito pouca informação sobre eles antes da invasão. O melhor
relato – e, provavelmente, não em primeira mão – é do historiador romano
Tácito, e data do século I A.D. Descreve os chefes e companheiros que viviam e
guerreavam juntos, vivendo para guerrear. No campo de batalha, é uma desgraça
para o chefe ser ultrapassado em coragem pelos companheiros e para os
companheiros, não igualar a coragem do seu chefe. Abandonar vivo uma batalha
depois do seu chefe tombar significa infâmia e vergonha para toda a vida.
Defender, proteger e creditar ao chefe os próprios atos de heroísmo – eis para
eles o verdadeiro significado de lealdade. Os chefes combatem pela vitória, os
companheiros, pelo seu chefe. Muita da nobre juventude, estando a sua terra de
nascimento estagnada em prolongada paz, busca deliberadamente outras tribos em
que alguma guerra decorra.
Os
germanos têm desgosto pela paz. A fama ganha-se mais facilmente entre perigos,
só se pode manter um largo corpo de companheiros pela violência e pela guerra.
Os companheiros estão sempre a exigir coisas dos seus chefes: dá-me aquele
ginete ou dá-me aquela sangrenta e vitoriosa lança. Quanto a refeições, de
cariz abundante embora caseiro, contam simplesmente como soldo. Uma tal
liberalidade só pode ser alimentada pela guerra e a pilhagem. Ser-vos-á difícil
persuadir um germano a lavrar a terra e aguardar pacientemente o seu fruto
anual, em vez de desafiar um inimigo e colher o preço dos ferimentos.
Considerará vão e inferior ganhar pelo suor o que pode comprar com sangue. Este
é o povo que, trezentos anos depois, conquistará o Império Romano. Passámos em
revista os três elementos. Tratemos de os resumir. Segundo a visão grega, o
mundo é simples, lógico e matemático. Segundo a visão cristã, o mundo é mau e
só Cristo pode salvar. Segundo os guerreiros germânicos, o combate é divertido.
Como se combinaram os três elementos? Primeiro, consideremos a conexão entre o cristianismo e o mundo greco-romano. As autoridades romanas tentaram, de tempos em tempos, erradicar o cristianismo. Apreenderam as escrituras sagradas, confiscaram os bens da Igreja, prenderam e torturaram cristãos, executaram os que não renegaram a Cristo. Os romanos eram, normalmente, muito tolerantes. Administravam um império composto de várias raças e religiões: desde que os súbditos mantivessem a paz, os romanos estavam dispostos a deixá-los seguir o seu próprio caminho. Podiam autogovernar-se. Podiam praticar a sua própria religião, com uma ressalva: tinham de sacrificar em honra do imperador. Os romanos acreditavam que o seu imperador era uma espécie de deus. O sacrifício que lhes era exigido era trivial: manter um retrato ou uma estátua do imperador e, frente a ela, uma chama. Pegar uma mão cheia de sal e lançá-la sobre a chama. A chama avivava-se. E bastava. Era como saudar a bandeira ou cantar o hino nacional. Mas, como os judeus, os cristãos recusavam fazê-lo, pois diziam que deviam adorar um só Deus, e não tratariam o imperador como manifestação divina alguma. Os romanos costumavam escusar os judeus de homenagearem o imperador. Tinham-nos por embirrentos e volúveis, mas respeitáveis, um povo antigo com os seus templos e o seu deus, ocupando determinada porção do território. Pelo contrário, os cristãos eram seguidores de uma religião nova e cristão podia ser qualquer um em qualquer parte. Os romanos consideravam-nos gente subversiva que era necessário eliminar. Poderiam ter sido bem-sucedidos, se a perseguição tivesse sido sistemática. Mas aconteceu um milagre. Em 313 A.D., um imperador, Constantino, tornou-se cristão, ou, pelo menos, concedeu apoio oficial às igrejas cristãs, pensando que o seu deus poderia velar por ele e pelo império melhor do que qualquer outro. Quando o cristianismo estava ainda longe de ser uma fé maioritária, o chefe de Estado abraçou-o, deu dinheiro às igrejas e reconheceu a autoridade dos bispos. Cinquenta anos mais tarde, outro imperador cristão ilegalizou todas as outras religiões. Quatrocentos anos depois de Jesus ter pregado numa problemática e longínqua província do Império Romano, o cristianismo tornava-se a religião oficial e única do império. Bispos e padres desfilavam pelas cidades e marchavam sobre os campos para destruir os templos pagãos. Eis o primeiro elo entre os três elementos: o Império Romano torna-se cristão. Chegada a esta fase, a Igreja era muito diferente do que fora nos primeiros tempos. No princípio, os grupos de cristãos reuniam-se em locais privados. Agora, três ou quatro séculos depois, havia toda uma hierarquia de autoridades a tempo inteiro e remuneradas: padres, bispos e arcebispos. Um dos bispos – o bispo de Roma – conseguira tornar-se papa e governar a Igreja. A Igreja tinha o seu próprio sistema de leis e os seus próprios tribunais e masmorras para fazer cumprir a lei. A Igreja administrava matérias bem importantes, como o casamento e as sucessões, e não apenas os assuntos próprios da Igreja. A Igreja geria e fazia aplicar o seu sistema de impostos, pois todos estavam obrigados a pagar para a sustentar. Quando o Império Romano ruiu, a Igreja sobreviveu – tinha o seu próprio governo. O papa era uma figura paralela ao imperador, controlava uma hierarquia de autoridades sob o seu mando. Aqui vislumbramos o segundo elo na constituição da mistura: a Igreja torna-se romana.
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