Comprado em 1994, ano em que revisitei o primeiro e único grande amor da minha vida. Quis tentar compreender a razão pela qual cerca de dois anos da minha adolescência têm durado a vida inteira. E certamente é algo que não se deve exclusivamente a questões hormonais (adrenalina, serotonina, dopamina e outras que tais) que, segundo os entendidos abundam na mente e no corpo dos adolescentes e que estimulam a curiosidade e o apetite pelo desconhecido, levando o coração a disparar sem controlo. As primeiras atracções, paixões e os primeiros amores podem transformar a pessoa mais tímida e introspectiva na personagem de um filme épico e ficam gravados na memória porque contribuíram decisivamente para se ser quem se é. Na verdade, foi exactamente o que me aconteceu aos 16 anos de idade, quando a minha pacatez e egocentrismo de filho único foram substituídos de rompante por sentimentos avassaladores que ainda hoje conservo comigo, quando uma vida quase completa já foi vivida. E o mais curioso de tudo é que quando esses mesmos sentimentos voltaram a aparecer, cerca de quinze anos depois, foram causados pela mesma pessoa. Francesco Alberoni é de opinião que, numa vida, podemos experimentar até três amores, dos quais não saímos os mesmos. É capaz de haver alguma razão nessa contabilidade, mas julgo que a mesma terá na realidade um exponencial decrescente, pelo menos ao nível da intensidade e durabilidade.
«Les amoureux sont seuls au monde...», dizia há muitos anos uma cançoneta sentimental francesa. Activos ou inactivos, a falarem ou em silêncio, no canto do café, no carro parado algures, na livraria, no cinema, no meio da multidão, os enamorados emitem uma mensagem, ou melhor, irradiam uma das mais poderosas e unilaterais mensagens a que ficamos cativos, sensíveis: deixem-nos em paz. E nós, deixamo-los em paz.
A pessoa amada não é diferente das outras, como somos levados a crer, tal como nós o não somos dos outros. O tipo de relação que se estabeleceu entre nós e quem amamos, o tipo de experiência extraordinária que estamos vivendo, é que torna diferente e extraordinária a pessoa amada e, mais profundamente, torna diferentes e extraordinários os dois.
Também no homem a sexualidade não é algo de contínuo, como o comer e o beber. Ela é, antes, algo que existe sempre, como as outras "necessidades", na sua forma ordinária, mas que assume uma forma e uma intensidade totalmente diferente, extraordinária, em certos períodos do amor. Não existe um ciclo biológico da sexualidade, mas como nos animais a sexualidade só se apresenta em toda a sua magnificência nos períodos do amor. Então vivemos durante dias e dias continuamente abraçados à pessoa amada, e não só não temos em conta as "relações sexuais" e a sua duração, mas cada olhar, cada contacto, cada pensamento dirigido ao amado tem uma intensidade erótica cem, mil vezes superior à de uma "relação sexual" ordinária.
A relação torna-se um desejo de estar no corpo do outro, um viver e ser vivido por ele numa fusão que é corpórea, mas que se prolonga com ternura pelas fraquezas do amado, as suas ingenuidades, defeitos e imperfeições. Então conseguimos amar também uma ferida sua, transfigurada pela doçura. Todavia, tudo isto se dirige apenas a uma pessoa e sómente a ela. Não importa, no fundo, quem seja, o que importa é que com o enamoramento nasce uma força terrível que tende para a nossa fusão e torna cada um de nós insubstituível, único para o outro. O outro, o amado, transforma-se naquele que não pode ser senão ele, o absolutamente particular, e isto acontece ainda (contra a nossa vontade), não obstante continuarmos a acreditar poder renunciar a ele e reencontrar aquela mesma felicidade com uma pessoa diferente.
A pessoa enamorada continua frequentemente a viver com o seu marido (ou a sua mulher), se este não puser obstáculos, sem rancor, com afecto. O passado adquiriu um outro significado à luz do seu novo amor. No fundo pode continuar a gostar do próprio marido ou mulher precisamente porque está enamorada, e a alegria deste amor torna-a gentil, meiga, boa. Quando nos enamoramos, durante muito tempo continuamos a dizer a nós próprios que não o estamos. Passada a ocasião em que nos é revelado o evento extraordinário, regressamos à vida quotidiana e pensamos que tenha sido algo efémero. Para nosso espanto, porém, volta-nos à mente e cria um desejo, um sofrimento, que só se aplaca ouvindo a voz ou revendo aquela pessoa.
O facto de desejar este bem absoluto faz com que em nós desapareça todo o medo do futuro. Cada encontro com a pessoa amada poderia ser o último encontro, tudo o que desejamos é estar com ele, fosse embora pela última vez. A dimensão do amor que encontra o seu objecto é o presente, aquele instante que vale toda a vida passada e todas as coisas do mundo, Há sempre, por isso, no amor, ao lado da felicidade, uma nota de tristeza, porque quando «paramos o tempo» sabemos que sacrificamos toda a segurança e todos os nossos recursos. Aquele «para o tempo» é felicidade, mas também renúncia a conduzir as coisas, a ser forte, renúncia a todo o poder e a todo o orgulho.
Também à distância de anos ou decénios, os enamorados, agora separados, não poderão passar certas datas do ano sem ficarem perturbados, não poderão voltar a certos lugares sem serem invadidos pela nostalgia. Este espaço e este tempo sagrado, depois que existe o lugar da objectivação do presente eterno, do parar do tempo, são imortais e, se esquecidos, sobrevivem no inconsciente.
Será possível amar simultaneamente duas pessoas? Certamente. Amar uma e enamorar-se de outra? Certamente. Estar enamorado de duas? Não. Cada um de nós ama várias pessoas: a mãe, o pai, a companheira ou os filhos. Nenhum destes amores exclui o outro, nenhum deles tira nada ao outro. Do mesmo modo, é possível um homem amar duas mulheres e uma mulher dois maridos. Pelo contrário, torna-se inviável enamorarmo-nos de duas pessoas diferentes. Em todos os casos o enamoramento é sempre o encontro de dois indivíduos isolados, cada um dos quais traz em si e consigo um sistema de relações de que quer conservar uma parte e de que quer reestruturar a outra. Quando se representa o enamoramento como um encontro de duas individualidades isoladas, sem impedimentos, sem ligações, cai-se numa falsificação.
Será possível que uma pessoa fique enamorada de outra durante anos e anos, ou durante toda a vida? Sim. Essa pessoa continua a amar apaixonadamente a outra mesmo se ela é inacessível, ou, até, se está morta. Precisamente pelo facto de a outra já não ser acessível e de por isso não ter existido recusa, o enamoramento pode continuar no imaginário. Então, toda a capacidade criativa do amor pode ser dirigida para ela, e, porque a fantasia não é passível de ser desmentida pela realidade, o amor pode continuar no plano extraordinário.