quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

A AMANTE DO TENENTE FRANCÊS

 
Título original: “The French Lieutenant’s Woman” (1969)
Editora: Editorial Presença, Lda, Dezembro 1983
Tradução: Paula Vitória Silva
Capa de Rui Ligeiro
Dimensões: 155 X 225 x 200 mm
Nº de páginas: 360

O escritor inglês John Fowles, que em 1969 publicou “A Amante do Tenente Francês”, considerado um dos primeiros romances "pós-modernos", faleceu em 2005, a 5 de Novembro, em Inglaterra. Tinha 79 anos e estava doente há já algum tempo. Desde a década de 80 que Fowles tinha problemas de coração, na sequência de um enfarte sofrido na altura. Escreveria mais tarde que sempre tinha querido escapar ao meio em que nasceu, já que ninguém na sua família tinha interesses literários ou propensão para as artes, e que se recordava de, quando jovem, ouvir os pais referirem-se a Picasso como “o tipo que não sabe desenhar”. «A boçalidade deles horrorizava-me». John Fowles começou a escrever aos 20 anos e publicou “O Coleccionador” em 1963 (já editado em Portugal pela Caminho), a história de um coleccionador de borboletas que decide juntar uma mulher à sua colecção. O livro foi um enorme sucesso de crítica e público, sendo adaptado ao cinema por William Wyler, com Terence Stamp no principal protagonista, e deu a Fowles a independência financeira para se poder dedicar à escrita a tempo inteiro. 

A adaptação de “A Amante do Tenente Francês” ao cinema por Harold Pinter, em 1981, com realização de Karel Reisz e interpretações de Jeremy Irons e Meryl Streep, contribuiu ainda mais para a sua popularidade, e para a fama de escritor: a obra tornou-se rapidamente um livro de culto, estudado em França e nos EUA a nível universitário. Sobretudo entre aqueles que nunca tinham lido um livro de John Fowles e nunca haveriam de ler outro. Vivia em Lyme Regis, numa casa com vista para o canal da Mancha, e era extremamente reservado, queixando-se de ser "perseguido" pelos leitores. «Tenho reputação de ser um homem de letras intratável, e não a tento desmentir. Mas não é verdade, em parte sou eu que a espalho», disse John Fowles em 2003, numa entrevista ao Guardian. Fowles assinou ainda obras como “The Magus” (1966) “The Ebony Tower” (1974), “Daniel Martin” (1977) ou “A Maggot” (1985), bem como alguns títulos de não ficção, ou ainda “Wormholes” (1998), que inclui apontamentos de diário e ensaios, entre outros. Nascido a 31 de Março de 1926, em Leigh-on-Sea, no Essex, Fowles estudou num colégio interno e cumpriu o serviço militar entre 1945 e 47, tendo-se depois formado em Literatura Francesa, em Oxford, e ensinado inglês em Londres, na Grécia e em França. A sua paixão pelas letras e pela cultura francesa torná-lo-ia num autor muito apreciado do outro lado do canal da Mancha, e também nos Estados Unidos o escritor seria mais popular do que na sua nativa Grã-Bretanha. Criticamente posicionado entre o modernismo e o pós-modernismo, os seus trabalhos foram influenciados, entre outros, por Albert Camus e Jean-Paul Sartre.

Neste romance ambientado no século XIX, em plena Inglaterra victoriana, John Fowles retrata uma história de paixão e loucura. Ao passar por uma pequena cidade da costa britânica com a sua noiva, Charles deixa-se seduzir por Sarah Woodruff, mulher de má reputação por ter sido desonrada e abandonada por um tenente francês. Na vila todos lhe apontam o dedo, chamando-lhe “a puta do tenente francês”. O filme estrear-se-ia em Lisboa no dia de Natal de 1981, no cinema São Jorge. Data dessa altura a minha paixão por Meryl Streep, paixão essa que ao longo dos anos foi murchando pouco a pouco, aliás como toda a boa paixão que se preze. Mas aqui a actriz continuava ainda em estado de graça, depois de ter protagonizado a inesquecível série “Holocausto” (1978), já disponível em Blu-ray, e assumido papeis relevantes em “The Deer Hunter/O Caçador”, de Michael Cimino (1978) e “Kramer vs. Kramer”, de Robert Benton (1979). Este seu duplo desempenho como Sarah/Anna seria o arranque a sério para uma carreira fulgurante, mantendo-se ainda hoje como um dos seus desempenhos mais inesquecíveis, embora, curiosamente, seja uma das interpretações que a actriz não preze muito.



Como já referido, “The French Lieutenant’s Woman” é baseado no conhecido e homónimo romance do britânico John Robert Fowles (1926-2005). Harold Pinter (1930-2008), outro britânico célebre (Prémio Nobel da literatura em 2005), escreveu o argumento do que a princípio parecia um romance infilmável, e Karel Reisz (1926-2002), também britânico, mas de ascendência checa, passou para o celulóide as duas histórias da obra, publicada pela primeira vez em 1969. À semelhança desta, em que Fowles aborda os amores proibidos da Inglaterra victoriana segundo a perspectiva cultural dos anos 60, também o filme vai evoluindo entre as duas épocas, ao introduzir um filme dentro do filme. Mike (Jeremy Irons) e Anna (Meryl Streep) são dois actores que mantêm uma relação de adultério, ao mesmo tempo que vão vivendo uma outra história de amor fictícia (localizada em 1897), nos personagens de Charles e Sarah.



Charles Smithson é um naturalista amador, seguidor das teorias darwinianas, que divide as suas atenções entre o estudo de fósseis e a corte à sua noiva, Ernestina Freeman (Emily Morgan), filha de um rico homem de negócios, e com quem planeia casar-se em breve. Mas um dia conhece Sarah Woodruff e tudo se altera. (De realçar a belíssima sequência no paredão do cais, a culminar naquele icónico close-up de Streep. Chama-se "Cobb" esse paredão. Pela perigosidade da situação Meryl Streep não participou das filmagens, pertencendo a um dos directores artísticos a silhueta que se vê ao longe. Foi em estúdio que depois foram filmados os magníficos close-ups, que se tornariam na imagem de marca do filme). Sarah é uma mulher independente, mas estigmatizada por um escandaloso (pelos padrões da época) relacionamento com um tenente da marinha francesa chamado Varguennes, que é casado, e que a teria abandonado depois dela se servir. A população de Lyme, onde a acção se situa, chama-lhe “a tragédia”, ou, ainda pior, “a puta do tenente francês”. É toda essa aura misteriosa que envolve Sarah, aliada ao seu ar frágil e desprotegido, que intriga Charles, vindo a despertar nele uma curiosidade crescente por aquela mulher solitária e proscrita. Pouco a pouco, através de alguns encontros furtivos, a atracção instala-se entre os dois, transformando-se, rápida e naturalmente, numa forte ligação amorosa.

Como não podia deixar de ser (para ser fiel à ideia central do romance de Fowles), Karel Reisz apresenta-nos todo o seu filme em montagem paralela, em que a ficção se confunde com a realidade, entrelaçando-se as duas histórias de amor nos percursos vividos pelos duplos personagens. Daqui resulta um momento único e apaixonante do cinema romântico, meticulosamente construído, e magistralmente servido pelas interpretações brilhantes de Irons e, sobretudo, Meryl Streep, a qual, nunca é demais dizê-lo, tem aqui um desempenho inolvidável, que chega a roçar a perfeição, num jogo de expressões e emoções raramente visto em cinema. A actriz ganharia o BAFTA inglês e o Globo de Ouro na categoria drama, mas perderia o Oscar para Katharine Hepburn (pelo filme “On Golden Pond / A Casa do Lago”). Dá para acreditar?

A música de Mozart faz sobressair a excelente cinematografia de Freddie Francis, e o filme está recheado de sequências inesquecíveis, como a já citada cena do paredão, o monólogo de Sarah a contar a sua história a Charles ou aquela única noite de amor vivida no quarto de hotel de Exceter. Dos três finais que Fowles apresenta no seu romance, dois deles são aqui usados para finalizar o filme. Não são alternativos, mas ocorrem como tudo o resto em simultâneo, permitindo ao espectador, tal como ao leitor do livro, uma escolha pessoal, de acordo com a sua sensibilidade e posicionamento. A opção é, uma vez mais, entre a ficção e a realidade. Mas onde começa uma e termina outra?

(Post by Jota Marques)

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