Publicados entre 1967 e 1970, "Os Mastins", "O Disfarce" e "A Lebre" constituem um ciclo que considero encerrado, uma trilogia nocturna em que me servi de cães alegóricos e reais para contar a agressão, o saque, a fuga, o sono, de um universo de isolamento e dogma. À paixão da mudança, à mística da virtude e da justiça, ao vagaroso cepticismo da decadência, sobrepõe-se, agora, a suspeita de que o fim deste nosso pequeno mundo herdado de uma epopeia breve prevalece sobre a ficção. Talvez esta trilogia trouxesse já no desencanto dos contos essa suspeita pois, se a não conduzirmos, a História ultrapassará irremediavelmente as nossas boas intenções. Nenhuma garantia cauciona a moral das nossas narrativas; acabou o tempo do bem e do mal e o homem está a apropriar-se de todos os paraísos e de todos os infernos. Tenhamos agora a coragem de preferir a qualidade sem virtude à virtude sem qualidade. É ainda tempo de tomarmos conta do nosso destino. (Álvaro Guerra, Outubro de 1971)
Álvaro Guerra (1936-2002), pseudónimo de Manuel Soares, nasceu em Vila Franca de Xira, em 1936. Escritor, jornalista e diplomata, é um dos grandes nomes da literatura portuguesa contemporânea. Foi embaixador na Jugoslávia, Zaire, Índia, Suécia e no Conselho da Europa, em Estrasburgo. Formou-se na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e teve envolvimento activo na preparação do 25 de Abril de 1974. Foi no ano de 1966 que Álvaro Guerra se estreou com a publicação do romance “Os Mastins”, cujo prefácio foi redigido por Alves Redol, que a dado momento refere que «Em certas épocas o local onde se nasce ou se cresce para a vida, mesmo que tal ocorra já na idade adulta, conta mais do que os liames do sangue. Vila Franca de Xira é um desses lugares.» Logo desde a publicação desse primeiro romance, a crítica assinalou a presença de um poderoso e original autor de ficção, cuja trajectória, repartida por múltiplos e cruzados endereços, acaba por enriquecer semanticamente a obra.
Álvaro Guerra combateu no Ultramar, mais propriamente na Guiné-Bissau, entre 1961 e 1963. Desde
cedo se manifestou contra a Ditadura e contra a Guerra Colonial (gabava-se de
ter sido dos primeiros autores a escrever sobre esta guerra). Após ter sido
ferido em combate, regressou a Portugal e, dada a sua forte oposição ao regime
fascista, depois de sofrer algumas perseguições de agentes da PIDE, rumou a
Paris em 1964, para estudar publicidade na École des Hautes Études da Sorbonne,
onde permaneceu até 1969. Regressado ao seu país ligou-se ao jornalismo tendo
colaborado no jornal "República", jornal de oposição ao regime, e
prosseguiu a sua actividade literária.
Na École des Hautes Études da Sorbonne enriqueceu a sua experiência cultural e, também por isso, as suas duas primeiras obras foram rapidamente traduzidas e publicadas em francês. Existem três obras de Álvaro Guerra que ficaram conhecidas como a “trilogia dos cafés”: “Café Républica”, “Café Central” e “Café 25 de Abril”, que cobrem um período conturbado da história de Portugal, com começo na I República e terminus no 25 de Abril de 1974. Após trabalhar na renovação do jornal "República", dirigido por Raul Rêgo e Vítor Direito, acompanhou-os na fundação do jornal "A Luta". Em finais de 1974 foi director de informação da RTP. O período em que foi assessor do presidente Ramalho Eanes e os seus périplos diplomáticos, contribuíram para angariar um valioso capital de experiência que passou a usar nos seus textos, ora violentamente sarcásticos, ora fortemente solidários, entrando assim em ruptura com os cânones formais do neo-realismo. Da sua vasta obra destacam-se: "Os Mastins", 1967; "Café República", 1982; "Café Central", 1984; "Café 25 de Abril", 1984; "Crimes Imperfeitos", 1990; "Razões do Coração", 1991; "Crónicas Jugoslavas", 1996, Grande Prémio de Crónica da Associação Portuguesa de Escritores, em 1997; e o seu último livro "Nos Jardins das Paixões Extintas", 2002.
(Post by Jota Marques)
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