Tradução e prefácio: Gomes Monteiro
Dimensões: 123 X 190 X 12 mm
Nº de páginas: 104
"Tolices que M. Victor Hugo fazia antes do seu nascimento". Foi assim que Victor Hugo marcou o conjunto de manuscritos datados da adolescência, que deixou inéditos e que a sua viúva, Adèle Foucher, publicou em 1863, retirando-os do esquecimento a que o autor os votara, incluindo-os na obra "Victor Hugo raconté par um témoin de sa vie". Com essa dezena de cadernos de versos juvenis encontra-se aquele que é o primeiro texto dramático conhecido do autor, datado de 1816, quando Victor Hugo tinha apenas 14 anos: o melodrama em três actos e dois intermédios "Inês de Castro" (peça inacabada). Obviamente fascinado pelo tema do amor proibido entre D. Pedro I e Dª Inês de Castro, amplamente conhecido na Europa do séc. XIX dados os múltiplos casos de obras que o versam, Victor Hugo poderá ter sido influenciado pelo texto (escrito em 1723) de Houdar de La Motte, que alcançara grande popularidade em França. Valendo-se duns vagos conhecimentos da História de Portugal, Victor Hugo engendrou uma Inês de Castro a seu jeito, portuguesa de lei e dotada de sentimentos patrióticos até à abnegação; deu o epíteto de Justiceiro ao rei Afonso IV e transformou a rainha Dª Beatriz em madrasta do próprio filho, envenenando Inês de Castro, já casada secretamente com o infante, para facilitar o casamento deste, como lhe convinha, com uma princesa castelhana. Nas suas pomposas tiradas, o jovem dramaturgo comete anacronismos tremendos como por exemplo invocar o Tribunal da Inquisição, que só dali a dois séculos seria instituído em Portugal; ou ainda integrar a primeira dinastia fundada por Afonso Henriques na Casa de Bragança, e outros disparates semelhantes. No entanto, a peça "Inês de Castro" não deixa de ser curiosa, visto constituir o primeiro esboço e o ponto de partida do teatro do futuro e glorioso autor.
"A coroação de Inês de Castro em 1361" (Pierre-Charles Comte, 1849)
Hoje em dia sabe-se já muito bem que os episódios
impressionantes da história popular de Inês de Castro não passam de patranhas
mais ou menos engenhosas. Inês de Castro, quando muito, foi a precursora de Ana
Bolena que, após ter atraiçoado a sua ama e senhora, se lhe apoderou da coroa e
do marido. Inês não foi tão longe, porque não lhe deram tempo para isso. De
resto, Inês era manobrada pelos irmãos que encaminhavam a sua política no
sentido de afundar a independência portuguesa. Ainda D. Pedro era apenas o
infante que viria a herdar o trono de Portugal, e já os Castros dispunham de tão
grande influência na terra portuguesa que, a seguir nessa carreira ascendente,
viria a transformar-se, infalìvelmente, na mais aviltante das soberanias. Foi
isso o que os honrados conselheiros de Afonso IV procuraram evitar, a todo o
custo, alvitrando a morte da barregã do herdeiro do trono. Seguiam o velho
aforismo: «Morto o bicho, acaba a peçonha». Entregue ao carrasco, a cabeça da
linda Inês foi decepada de um só golpe. Apenas isto, e nada mais. Em resumo: Inês
de Castro foi amante de D. Pedro (nunca esposa), não só pela vaidade de ter
sido a preferida do infante herdeiro do trono, mas pelas vantagens que isso lhe
trazia à família. Desses amores ilícitos nasceram três filhos que, apesar de
todos os esforços do pai, no sentido de os legitimar, continuaram a ser os
"filhos da favorita do infante". Victor Hugo, no verdor dos seus
catorze anos, quis aproveitar este magnífico assunto que lhe tinham relatado
durante a sua permanência em Espanha. Escreveu, portanto, o drama "Inês de
Castro", pondo-lhe toda a sua ternura. Mais tarde, porém, ao dar pelos
disparates históricos em que se apoiara, recusou-se a publicar o seu trabalho,
limitando-se a desculpá-lo com a já citada desdenhosa legenda: "Tolices que eu fazia antes do meu nascimento".
(Post by Jota Marques)
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