segunda-feira, 17 de outubro de 2022

JOHN STEINBECK: "O Inverno do Nosso Descontentamento"

 

Mais um livro bem velhinho, comprado por 56$50 em Lourenço Marques, no dia 15 de Fevereiro de 1973. Do que li até hoje da obra de John Steinbeck (e não foi assim muito) este "Inverno do Nosso Descontentamento" (1961) e o "A Leste do Paraíso" (1952) serão muito provavelmente os meus preferidos. Esta edição está comigo desde os tempos de juventude e pertence à excelente colecção "Dois Mundos" da editora "Livros do Brasil Lisboa". Tem tradução de João Belchior Viegas. Para além das marcas do tempo, este meu exemplar contém muitas passagens sublinhadas (uma práctica em mim corrente), das quais transcrevo de seguida algumas delas:

« Três factos elementares, nos quais nunca se pensa: o verdadeiro, o provável e o lógico.»

«Ela diz que não sonha. Mas, no entanto, deve sonhar. O que sucede é que os sonhos não a perturbam, ou então perturbam-na de tal maneira que os esquece antes de acordar. Gosta de dormir, e o sono faz-lhe bem. Queria ser como ela. Luto contra o sono e desejo-o com ânsia.»

«É curioso acreditar que podemos pensar melhor quando estamos em determinado lugar. Tenho um lugar desses, tive-o sempre, mas sei que ali o que faço não é bem pensar, mas sim sentir, experimentar e lembrar. É um lugar secreto. Toda a gente deve ter o seu, mas, apesar disso, nunca ouvi ninguém falar dele.»

«Nunca a tinha visto verdadeiramente. A quantas pessoas no decurso da minha vida olhei sem as ver? É espantoso. Aí está mais um assunto para reflexão. Quando duas pessoas se encontram, cada uma é mudada pela outra, e assim nascem dois indivíduos novos.»

«Por hábito, sempre deixei para amanhã o tomar uma decisão. Então, quando um dia disponho de tempo suficiente para estudar o problema, encontro-o já completo, resolvido. Pode supor-se que nas caves sombrias e ignoradas do espírito um júri composto de seres sem rosto reúne para deliberar. Essa região secreta que nunca dorme, represento-a como uma extensão de água profunda, negra, lisa, cuja superfície apenas é aflorada por algumas sombras.»

«A pessoa procura esquecer, mas não dá resultado. O que tem a fazer é, pelo contrário, acolher com amabilidade os pensamentos desagradáveis. Lembre-se de tudo quanto possa, do princípio até ao fim. De cada vez que isso chegue, faça a mesma coisa, sem nada omitir. Depressa tudo se gasta, desaparecendo aos bocados, até nada ficar.»

«Sabes o que tu és? Um coelhinho com flores na cabeça.»

«Quem não tem determinada coisa tem de pensar nela. Só o homem pensa nas coisas. A maior parte das pessoas pensa noventa por cento nas coisas do passado, sete por cento nas do presente e não ficam senão três por cento para as do futuro. O velho Satchel Paige disse acerca disto algo de muito certo. Afirmava ele: "Não olhes para trás, porque te atrasas."»

«"Adeus" tem como que o som doce de um lamento. "Até à vista" é breve e definitivo. É uma expressão munida de dentes aguçados para cortar os elos que ligam o passado e o futuro.»

«Não sei ao certo como são as outras pessoas por dentro - todas diferentes e todas semelhantes ao mesmo tempo. Não posso senão calcular. Mas sei de que maneira me torço e me revolvo para escapar a uma verdade dolorosa, e quando, finalmente, não a puder negar, iludo-a, esperando que ela se vá embora por si mesma.»

«A memória é reprodutora. Se lhe dermos uma referência claramente detalhada, ela começa a trabalhar, para trás e para diante, como um filme.»

«Não é verdade que haja uma luz comum, uma chama universal. Cada pessoa tem a sua. A minha luz extingui-se. "Quero voltar para casa", disse a mim mesmo, "não pròpriamente para a parte da casa que até há pouco habitava, mas sim para aquela parte donde vem a luz". Quando uma luz se apaga, a escuridão é maior do que se nunca tivesse brilhado a claridade. O mundo está cheio de destroços enegrecidos. O melhor caminho consiste em saber que há um tempo em que se impõe uma decente e honrosa retirada, sem drama nem castigo para si mesmo ou para os seus - simplesmente um adeus.»



MINI-BIOGRAFIA:

 John Ernst Steinbeck Jr. nasceu em Salinas, California, a 27 de Fevereiro de 1902 e morreu em Nova Iorque, a 20 de Dezembro de 1968. Recebeu o Prémio Nobel da Literatura em 1962. Ainda muito jovem, por influência dos pais, leu Dostoiévski, Milton, Flaubert e George Eliot. Terminou o curso secundário no Salinas High School, em 1919. No ano seguinte, ingressou na Universidade de Stanford, exercendo várias profissões para pagar os estudos. Em 1925, empregou-se no jornal American de Nova Iorque, e vasculhou a cidade em busca de um editor para seus livros ainda não escritos. Estreou-se com "A Taça de Ouro" (1929), biografia romanceada do pirata Henry Morgan, já marcada pelo seu característico estilo alegórico.

Steinbeck com a esposa em Taormina, Sicíla

Publicou em seguida "Pastagens do Céu" (1932) e "A Um Deus Desconhecido" (1933), mas estes primeiros livros não lhe asseguraram a profissionalização como escritor. Só dois anos depois, em 1935, é que se veio a afirmar como autor de prestígio com "O Milagre de São Francisco", que recebeu a medalha de ouro do Commonwealth Club de São Francisco como melhor livro californiano do ano. Os três mais importantes romances de Steinbeck foram escritos entre 1936 e 1938: "Batalha Incerta" (1936), descreve uma greve de trabalhadores agrícolas na Califórnia; "Ratos e Homens " (1937), que seria adaptado ao cinema e ao teatro, analisa as complexas relações entre dois trabalhadores migrantes e "As Vinhas da Ira" (1939), considerado a sua obra-prima, conta a exploração a que são submetidos os trabalhadores itinerantes e sazonais, através da história da família Joad, que migra para a Califórnia, atraída pela ilusória fartura da região. Essa trágica odisseia recebeu o Prémio Pulitzer de Ficção e foi levada ao écran por John Ford em 1940, com John Carradine e Henry Fonda no principal protagonista. 

A obra de Steinbeck inclui ainda "Bairro da Lata" (1944), "A Pérola" (1945), "Os Náufragos do Autocarro" (1947), "A Leste do Paraíso" (1952), "Viagens com o Charley" (1962) e "A América e os Americanos" (1966). Steinbeck teve 17 das suas obras adaptadas para cinema. Alcançou também grande sucesso como argumentista, tendo sido nomeado em 1944 para o Óscar pelo filme "Um Barco e Nove Destinos" (Lifeboat) de Alfred Hitchcock.



(Post by Jota Marques)

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