quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

A LOUCA DA CASA ~ ROSA MONTERO

 

Título original: "La Loca de la Casa" (2003)
Editora: Livros do Brasil (2004)
Tradução de Helena Pitta
Dimensões: 120 X 180 X 17 mm
Nº de páginas: 224
ISBN: 978-972-382-974-7

Rosa Montero nasceu em Madrid em 1951. Como jornalista, colabora em exclusivo com o jornal El País, tendo obtido, em 1980, o Prémio Nacional de Jornalismo e, em 2005, o Prémio da Associação da Imprensa de Madrid, por toda a sua vida profissional. Com "A Louca da Casa" recebeu o Prémio Grinzane Cavour de literatura estrangeira e o Prémio Qué Leer para o melhor livro espanhol, distinção que também foi atribuída, em 2006, a "História do Rei Transparente". "A Ridícula Ideia de Não Voltar a Ver-te" viria a ganhar o Prémio da Crítica de Madrid 2014. Recebeu, já em 2017, e pelo conjunto da sua obra, o Prémio Nacional das Letras Espanholas, galardão que o júri fundamentou com a «sua longa trajetória no romance, jornalismo e ensaio».

Para saber mais, visite o site da autora: www.rosamontero.es.

Espectacular. Simplesmente maravilhoso, arrebatador, acolhedor e cativante. Uma escrita sobre a escrita. Linhas que misturam a escrita metaliterária, imaginação e autobiografia. Um deleite para os leitores, principalmente para aqueles que também escrevem. Rosa Montero escreve sobre escrever. Para tanto, utiliza exemplos prácticos e concretos, envolvendo tanto situações próprias como a de outros escritores. Daí que além das várias lições constantes no livro (sempre muito descontraídas, mas sem perder a pontualidade expositiva) há também diversas curiosidades reveladas ao leitor. A autora conta, por exemplo, que Herman Melville vendeu apenas pouquíssimos exemplares de seu magnífico “Moby Dick” na sua primeira tiragem, frustrando-o a ponto de interromper a sua escrita durante muito tempo. Ainda, demonstrando os efeitos também assoladores do antagonismo do fracasso, Rosa Montero narra um pouco da vida de Truman Capote e as tristes consequências para o ego do escritor por ter alcançado o sucesso tão jovem e de maneira tão rápida. Enfim, os exemplos dados pela autora são diversos, possibilitando ao leitor conhecer alguns factos sobre a vida de vários escritores.

A leitura incessante e farta, por óbvio, faz parte da vida de todo e qualquer escritor. Mas isso, claro, é apenas um dos pontos que servem de norteadores e como sustentáculo para quem se aventura na escrita. A autora deixa isso muito bem claro na obra. Ainda, sobre o questionamento de se optar por nunca mais ler ou nunca mais escrever, Rosa Montero responde que sem leitura jamais ficaria, explanando ainda o motivo de ser tal a resposta da grande maioria dos escritores quando assim questionados, deixando ainda registrada a crítica contra qualquer resposta em sentido contrário. As inspirações literárias são diversas. A obsessão pela (e contra) a morte é um destes motes que servem como pano de fundo para muitas histórias. Aliás, a autora deixa claro que o seu mundo de escrita é o da fantasia. Pelos romances se diz muito, inclusive aquilo que é impossível dizer de qualquer outro modo. Sobre o seu estilo, separa a escrita profissional, pois também é jornalista, da que faz pelo prazer e tem como a sua vida, refutando veementemente a tentativa de catalogar qualquer tipo de escrita como “escrita feminina”. Para evitar equívocos Rosa Montero prefere utilizar o termo "antisexista". É um livro que vale muito a pena ser lido. Para quem escreve, vejo a leitura como obrigatória. Uma exposição encantada, divertida e muito bem construída sobre a arte da escrita.

Um romance? Um ensaio? Uma autobiografia? “A Louca da Casa” é, em qualquer dos casos, a obra mais pessoal de Rosa Montero: uma viagem através do misterioso universo da fantasia, da criação artística e das recordações mais secretas da própria autora, que neste livro empreende uma viagem ao mais profundo do seu ser através de um jogo narrativo pleno de surpresas, onde literatura e vida se misturam num cocktail afrodisíaco de biografias alheias e de autobiografia romanceada. E assim descobrimos, por exemplo, que Goethe adulava os poderosos, que Tolstoi era um energúmeno, que Rosa, ela própria, em criança se julgava anã, e que, com vinte e três anos, manteve um extravagante e arrebatador romance com um actor famoso. Todavia, não devemos fiar-nos por completo em tudo o que a autora conta sobre si mesma: as recordações não são sempre o que parecem. Uma obra de referência, na qual Rosa Montero nos delicia com um registo autobiográfico e com muita ironia à mistura, partilhando connosco como se fossemos amigos "lá de casa", de uma panóplia de vivências. Para " beber" cada palavra escrita. Imperdível. “A Louca da Casa” é uma obra impossível de catalogar que mais não é do que uma homenagem à imaginação. “A imaginação é a louca da casa” é um frase de Santa Teresa de Jesus e Rosa Montero prova-o neste livro e nesta entrevista de 2004, onde fez uma verdadeira apologia da imaginação.

- O seu livro, “A Louca da Casa”, é difícil de catalogar dentro de um único género. Consegue fazê-lo?

- Não, porque antes de mais a piada do livro é essa originalidade. Acho que é o meu livro mais original, o melhor que escrevi, entre outras coisas porque é diferente de tudo o resto. É um livro pequeno, mas é meu, só meu. É um olhar próprio sobre o mundo e dentro dessa visão está essa coisa impregnada de géneros e essa mistura tão absoluta sobre o real e o fictício. Quando saíam os tops de vendas em Espanha, muitas vezes colocavam-no em ensaio, outras vezes em ficção, outras em contos. No Panamá uma escritora local disse: “Isto é um romance, porque é o único género suficientemente híbrido para admitir tudo isto”. Pode ter razão. Se está perto de algo pode ser de um romance, nesse ponto de vista.

- Como surgiu a ideia de escrever este livro?

- Escrever é uma coisa mágica, misteriosa, que o escritor não controla. Escrever tem muito que ver com sonhar. Na realidade, os romances são sonhos diurnos do escritor. Da mesma forma que não controlas os teus sonhos à noite, também não controlas o que escreves. Essa é uma das coisas fascinantes da escrita. Muitas vezes sai a ideia de um livro, uma coisa muito pequena, mas quando te pões a escrever sai algo completamente diferente. Isso aconteceu desta vez. A primeira ideia deste livro surgiu há 20 anos e foi um lugar-comum: “Algum dia escreverei um ensaio sobre literatura.” Todos os romancistas escrevem sobre literatura, é uma espécie de vício. Pensei nisso e comecei a tirar apontamentos. Os anos passaram e há três anos reuni as notas e decidi escrever. Nesse momento surgiu-me o título na cabeça. E os títulos têm um comportamento muito curioso, porque muitas vezes saem tão bem por si só que ditam ao escritor o que está escrever. O título é uma frase de Santa Teresa de Jesus, que diz: “A imaginação é a louca da casa.” Quando esse título surgiu pensei logo: “O livro não vai ser sobre literatura, mas sim sobre a imaginação, mas de todos os seres humanos.” Nós, os seres humanos, somos sobretudo animais imaginativos, fantasiosos. E a imaginação completa a realidade, traduz-nos a realidade e permite-nos viver num mundo que, de outro modo, sem imaginação, seria um caos e inabitável. Por isso, a imaginação salva-nos. De repente dei conta que ia ser um livro de agradecimento à imaginação. Também constatei que não ia ser um ensaio, mas um livro sobre a imaginação que fosse obra da imaginação. É um pouco como uma caixa de um mágico de circo, sai de lá tudo.

- E qual é papel do leitor no meio de tudo isso? 

- Também quis que o leitor brincasse comigo e escolhesse aquilo em que queria acreditar. Do modo como está escrito, o livro está cheio de armadilhas. De entrada o leitor crê que o que está a ler é tudo real, notarial, mas continua a ler e chega a um momento em que diz: “Mas esta mulher está a enganar-me, e se me engana nisto em quantas outras coisas já me mentiu?” A resposta é que menti em muitas. O livro está cheio de mentiras. Mas, na verdade, é igual saber onde se mente ou não porque o que quer dizer o livro é que a vida imaginária é tão real como a vida real. E na nossa vida real há muita imaginação.

- A imaginação é um dom do ser humano, mas para que serve na realidade?

- Permite que nos compreendamos. É tão descontínua a realidade. Os nossos actos não se dirigem numa única direcção. É tão confusa a vida que não poderíamos viver sem essa imaginação que traduz essa confusão a algo compreensível. A imaginação desenha a realidade a tinta-da-china sobre uma mancha cinzenta e confusa. E completa zonas onde nada há. Faz uma realidade que nos permite viver.

- Mas também é preciso saber dosear a imaginação para não se chegar à loucura.

- Sim, o livro trata em primeiro lugar da imaginação e só depois da loucura. E porquê? Porque a loucura é a fronteira interna entre a imaginação que constrói e a imaginação que destrói. Quando deixa de ser uma ferramenta e se transforma numa tirana, quando suplanta a sua personalidade, converte-se em loucura e delírio. Por isso, acho que não há ninguém no mundo que não tenha tido medo da loucura, porque todos a levamos dentro de nós. O problema não é controlar a imaginação, o problema é perder o sentido do real.

- Nota-se, realmente, que o livro parece ter uma vida própria.

- Isso acontece sempre. Antes de escrever, ao desenvolver a ideia, sei quem são as personagens, faço mapas, quadros, esquemas, sei que o romance vai ter tantos capítulos, mas quando me sento ao computador tudo muda completamente. É isso que é maravilhoso ao escrever romances, surpreendem-te tanto como te surpreende a vida. Escrever é viver. É vida de primeira ordem, é vida de qualidade. A vida é incontrolável. Esse material incontrolável também está nos romances. Aqui aconteceu o mesmo. Por exemplo, apareceu a personagem da minha irmã, quando eu não tenho nenhuma irmã, é mentira, e começaram a acontecer-lhe coisas.

- Mas há dados reais em “A Louca da Casa”, mesmo se contados de outra forma?

- Há bastantes coisas que são verdade.

- Ao mentir está a imaginar situações que gostaria de ter vivido?

- Não, o que tento contar é que a imaginação do romancista é como as possibilidades paralelas na vida, que são intermináveis. Não são as que se quer viver nem as que mais medo dão, são desdobramentos possíveis da realidade. Todos somos milhões, poderíamos ser milhões, dentro de nós somos o mundo. Com a imaginação literária vives um pouco esses mundos.

- Nunca se sabendo, no livro, o que é verdade ou mentira, acaba por nunca expor a sua intimidade.

- As vidas imaginárias são vidas. Apesar de neste livro contar muitas mentiras biográficas, acho que é o meu livro mais íntimo. Revela muito do que eu sou, mas não tens de te cingir ao detalhe porque no fundo está a verdade.

- Escreveu uma obra só com biografias de mulheres (“Histórias de Mulheres” – Edições Asa). Gostaria que alguém um dia fizesse uma biografia sua?

- Não. É um pensamento muito inquietante. Vai ser uma tradução redutora. Uma vida são tantas vidas que uma biografia é uma tradução redutora.

- Mas não pensa nisso ao fazer biografias de outras pessoas?

- Sim, mas gosto muito de ler biografias, porque são como mapas de apoio. As biografias ensinam muito, aprendemos como os outros viveram, mas ver-me como biografada… Primeiro, não creio na posteridade, não penso que vá sobreviver à minha morte. Quando eu morrer, o mundo acabou. Segundo, é óbvio e evidente que a maioria das pessoas não sobrevive à sua morte. Há muito poucos que são recordados depois e é altamente improvável que eu seja um deles. Fazes dos outros, mas que te façam a ti… (risos)

- “A Louca da Casa” também faz um retrato da classe dos escritores?

- O que fiz foi utilizar cenas ou circunstâncias da vida dos escritores para reflectir sobre temas. Tudo para entender o que somos. Essas partes são reais, estão documentadas, só invento na parte relacionada comigo. Se falo de Goethe (escritor e homem monumental), se este homem é capaz de ter umas falhas tão enormes, de perder tanto a dignidade só para ser um nobre, então é preciso estarmos atentos, porque se um grande homem faz isso nós caímos mais facilmente. Conto as histórias para explorar a alma humana, para dizer como somos.

- Mostra também que os grandes escritores afinal são pessoas normais…

- Eu não gosto da mitificação. Mitificar é uma maneira de manipular a realidade e mentir. Os mitos enquanto pessoas não existem. As pessoas são contraditórias, confusas, animais confusos. Quando queres reduzir uma pessoa à imagem de santo é uma falta de respeito a essa pessoa.

- Depois de ter escrito aquele que considera ser o seu melhor livro está com medo do que vem a seguir?

- A verdade é que estou com medo. Escrever é um ofício e aprende-se escrevendo e a ficção aprende-se com a maturidade. Sempre que escrevi sabia que ia ser a mais um passo. Tenho muita ambição de fazer um livro melhor, mas pela primeira vez pensei: ”E se não consigo fazer um livro tão perfeito como este?” O que consegui está muito perto do que queria fazer. Tenho um pouco de medo, mas a minha ambição mantém-se. Estou agora com um projecto de um romance fantástico no século XII. Mas também tenho outra ideia, que é escrever um romance sobre a vida de um taxista.


O LIVRO

“A imaginação é a louca da casa”, disse Santa Teresa de Jesus. Rosa Montero, escritora espanhola, pegou na ideia e deu corpo a “A Louca da Casa”, livro de pura homenagem à imaginação. Misturando factos da sua vida com outros totalmente fantasiados, Rosa Montero escreveu uma obra deliciosa, recheada de estórias que, no fundo, não interessa saber se são realidade ou ficção. Isto porque cumprem outra função muito mais importante, entretêm, tanto pelo conteúdo como pela forma de escrita (solta, ligeira, mas sempre bem elaborada), demonstrando uma inteligência, um humor e, claro, uma imaginação fora do comum. O que interessa se Rosa Montero teve um caso com um actor de Hollywood, se ela nos conta, em três divertidas versões, uma eventual aventura amorosa com tal “estrela”? Depois, “A Louca da Casa” é também uma espécie de minitratado sobre literatura e escritores, uma análise, por vezes mordaz, de quem conhece a classe por dentro. Mas, principalmente, o livro é uma conversa inteligente com a autora e é bem verdade quando ela diz que, apesar da imaginação e da fantasia, este é o livro mais intimista dela. E vale bem a pena conhecê-la.

(Post by Jota Marques)

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