Tome-se um homem,
Feito de nada, como nós,
E em tamanho natural.
Embeba-se-lhe a carne,
Lentamente,
Duma certeza aguda,
irracional,
Intensa como o ódio ou
como a fome.
Depois, perto do fim,
Agite-se um pendão
E toque-se um clarim.
Serve-se morto.
Reinaldo Edgar de Azevedo e Silva Ferreira (Barcelona, 20 de Março de 1922 >>> Lourenço Marques, 30 de Junho de 1959) foi um poeta português que realizou toda a sua obra em Moçambique. Filho do célebre Repórter X, Reinaldo Ferreira chega a Lourenço Marques em 1941, finaliza o 7.º ano do liceu e ingressa como aspirante no Quadro Administrativo da Colónia, tendo subido até Chefe de Posto. Os primeiros poemas começam a ser publicados nos jornais locais ou em revistas de artes e letras. Adapta para o Rádio Clube de Moçambique peças de teatro e, mais tarde, colabora no teatro de revista. Foi também autor das letras de muitas canções ligeiras, entre as quais "Kanimambo", "Uma Casa Portuguesa", "Magaíça" ou "Piripiri", que se viriam a celebrizar na voz de João Maria Tudella. Em 1959 é-lhe detectado um cancro do pulmão, e morre em Junho desse ano, com apenas 37 anos. Não chegou a editar nenhum livro em vida, embora o pensasse fazer pouco antes da sua morte. Tal livro teria o título, já escolhido, de "Um Voo Cego a Nada". Esta designação foi o autor buscar a um verso do poema que começa por «Eu, Rosie,...» e que chegou a ser publicado com o título de "Dancing with Rosie (a táxi-girl)". A colectânea dos seus poemas surgiu em 1960, numa edição da Imprensa Nacional de Moçambique. Recordemos aqui alguns excerptos da introdução: «A Obra que hoje se publica, com tudo quanto tenha de inacabado e fragmentário, é a Obra de um grande Poeta. Rigorosamente desconhecido na Metrópole, supomos que a sua Poesia, ao aparecer quase integralmente incluída neste volume, sem quaisquer antecedentes que a tenham anunciado, irá provocar, nos leitores metropolitanos, qualquer coisa parecido com um choque. Como supomos tal choque inevitável e talvez salutar, nada faremos para tentar atenuá-lo. A verdade é que não é realmente vulgar a aparição brusca de uma Obra deste quilate, assim brutalmente surgida de um anonimato quase perfeito (referimo-nos à Metrópole), com o autor já morto e enterrado. Quanto à glória, inteirinha por fazer. No que a Moçambique diz respeito, o problema situa-se de um modo um pouco diferente: profundamente admirado por um reduzido número de amigos ou simples conhecidos, os seus poemas circulavam há muito de mão em mão, aqui e acolá publicados em jornais e revistas de ocasião, republicados, modificados, retomados, com aquela admiração e veneração sempre vivas que só as coisas realmente belas costumam motivar. Nenhum livro editado. Também nenhuma pressa por aí além de o fazer. Há pouco morto, com a idade de 37 anos, autor de alguns dos mais expressivamente belos de quantos poemas conta a Literatura Portuguesa, orgulhosamente consciente do quilate, do rigor e da extrema pureza da língua em que moldava a angústia que em si vivia, o seu orgulho só era igualado pela modéstia do seu retiro. Literalmente retirado - é como, em boa verdade, se pode dizer que Reinaldo Ferreira vivia. Se alguma vez o habitara a ânsia de se ver publicado, depressa a sufocara.»
São pérolas,
É porque são dentes.
Se eu nunca disse que os teus lábios
São corais,
É porque são lábios.
Se eu nunca disse que os teus olhos
São d'ónix, ou esmeralda, ou safira,
É porque são olhos.
Pérolas e ónix e corais são coisas,
E coisas não sublimam coisas.
Eu, se algum dia com lugares-comuns
Houvesse de louvar-te,
Decerto que buscava na poesia,
Na paisagem, na música,
Imagens transcendentes
Dos olhos e dos lábios e dos dentes.
Mas crê, sinceramente crê,
Que todas as metáforas são pouco
Para dizer o que eu vejo.
E vejo lábios, olhos, dentes.
(Post by Jota Marques)
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