domingo, 27 de novembro de 2022

O FIM DA AVENTURA

Escritor inglês nascido a 2 de Outubro de 1904 em Berkhamsted, e falecido a 3 de Abril de 1991, na Suiça, Henry Graham Greene, viveu um infância difícil, foi jornalista (1926-1929), crítico de cinema (1935-1939) e director literário de vários jornais e editoras. Formou-se na Universidade de Oxford, e começou a sua carreira como jornalista trabalhando como repórter e subeditor do The Times. Publicou cerca de 60 romances. Ao longo da sua vida, Greene esteve em vários países bem distantes da Inglaterra, aos quais ele se referia como lugares selvagens e remotos do mundo. Em 1935, visitou África (especialmente a Serra Leoa e a Libéria), onde, além de buscar material para os seus artigos no The Times e para um futuro livro ("Journey Without Maps"), também prestou serviços à Anti-Slavery and Aborigines' Protection Society. As viagens levaram-no a ser recrutado pelo MI6, o serviço secreto britânico, por meio da sua irmã, Elisabeth, que trabalhava para a organização, tendo sido enviado para a Serra Leoa durante a Segunda Guerra Mundial. Muitos dos seus romances, a partir de então, tiveram como tema ou pano de fundo a espionagem. Nos seus romances, o escritor retrata pessoas que encontrou e lugares onde viveu. O seu primeiro livro de sucesso foi "O Expresso do Oriente" (1932). Entre outras obras, incluem-se "O Poder e a Glória" (1940), "O Nosso Homem em Havana" (1958), ou "O Factor Humano" (1978). Muitas das suas obras foram adaptadas ao cinema. Outra temática frequente nos seus livros é a religião. Tendo-se convertido ao catolicismo em 1926, os dilemas morais e espirituais de sua época eram representados por intermédio das suas personagens. Graham Greene foi considerado o maior 'escritor católico' da Grã-Bretanha, apesar da sua resistência em ser retratado dessa maneira. Em 1937, Greene era editor da revista literária britânica Night and Day e escreveu uma crítica sobre o filme "Wee Willie Winkie" (1937), interpretado por Shirley Temple, então com oito anos. O texto assinalava a coqueteria da pequena actriz e o efeito que ela provocava entre homens de meia idade e clérigos. Em consequência desse comentário, Greene foi alvo de um processo judicial movido pela Twentieth Century Fox. Temendo ser preso, o escritor refugiou-se no México, país que não permitia a extradição — e que inspiraria o seu livro "The Power and the Glory".

Título original: "The End of the Affair" (1951)
Editora: ASA Literatura (Fevereiro de 1995)
Tradução e Prefácio: Jorge de Sena
Dimensões: 130 X 195 X 20 mm
ISBN: 972-411-524-0
Nº de páginas: 270

Neste "O Fim da Aventura", a relação amorosa do romancista Maurice Bendrix com Sarah Miles inicia-se nos tempos turbulentos do Blitz, em Londres. Mas, um dia, sem explicação, Sarah termina abruptamente a ligação entre ambos. Parecia impossível que pudesse existir um rival no coração de Sarah, mas mesmo assim, dois anos depois, levado por um ciúme e uma dor obsessivos, Bendrix contrata um detective privado, Parkis, para a seguir e descobrir a verdade. Entre os mais importantes escritores do século XX, Graham Greene sempre foi apontado como referência moral. Viajante incansável, colheu as simpatias de socialistas e de católicos, embora tenha sido um católico crítico. São muitos os que louvam a sua arte: a capacidade rara de nos surpreender e comover com romances que aliam o saber contar à argúcia com que capta o que de mais profundo e de mais humano existe em nós. "O Fim da Aventura" é um dos seus grandes romances.

«Diz-se da eternidade que é,
não uma extensão do tempo,
mas uma ausência dele.
Os amantes ciumentos são mais respeitáveis
e menos ridículos que os maridos ciumentos.
Os amantes traídos são trágicos,
nunca são cómicos.»
(Graham Green)

Maurice: «Tenho ciúmes desta meia»
Sarah: «Porquê?»
Maurice: «Porque ela faz o que eu não consigo: Beijar-te a perna toda. E também tenho ciúmes deste botão.»
Sarah: «Pobre, inocente botão.»
Maurice: «Não é nada inocente, está contigo o dia inteiro. E eu não.»
Sarah: «Suponho que também tenhas ciúmes dos meus sapatos?»
Maurice: «Sim.»
Sarah: «Porquê?»
Maurice: «Porque eles te levam para longe de mim.»


Esta é a segunda e feliz adaptação ao cinema de “The End of the Affair”, um dos melhores romances de Graham Greene, cuja narrativa semi-autobiográfica dramatiza a relação do autor com Catherine Walston, a amante de Greene na vida real que faleceu com 62 anos em 1978. Segundo o biógrafo do escritor, Michael Shelden, Catherine não permitiu que Greene a visitasse antes de morrer por não querer que ele a visse no adiantado estado de doença em que se encontrava. Em 1955, Edward Dmytryk fez a primeira versão com Van Johnson e Deborah Kerr nos principais papéis. Neil Jordan pode agora considerar-se com mais sorte ao poder contar com Ralph Fiennes e sobretudo Julianne Moore para os papeis dos dois amantes. Sem esquecer Stephen Rea, que compõe de igual modo magistral a figura do marido enganado cujo amor pela mulher é capaz de aguentar qualquer sacrifício.

Esta é uma história de amor. Do amor das personagens, do amor dado pelos intérpretes, do amor pelos curtos segundos que só o cinema parece conseguir filmar. Mas todo o filme gira também à volta da culpa, essa consequência natural de um catolicismo tortuoso, tão comum na época e uma das imagens de marca dos romances de Greene. Culpa de amar e ser amado, culpa de desejar a felicidade por cima das convenções mundanas. Os personagens movem-se em terrenos desgastados pela moral vigente, que faz cansar e até desesperar quem procura libertar-se da tutela do divino e viver simplesmente uma vida terrena, em toda a sua plenitude.

Neil Jordan confirma mais uma vez o amor com que dirige os seus actores cujos desempenhos são essenciais na elegante fluidez deste filme admirável. A realização chega a atingir patamares poéticos de um lirismo raro no cinema da actualidade, apesar de não se coibir de mostrar o lado mais erótico da paixão. No fundo é todo um mosaico de emoções que está subjacente à relação amorosa e que Jordan filma de maneira exemplar, fazendo lembrar por vezes o classicismo de um “Brief Encounter”, de Lean. O recurso a flashbacks repetidos mas vistos por perspectivas diferentes dá ainda mais a noção da inquietude dos sentimentos que envolvem cada um dos dois amantes. "The End of the Affair" é também uma grande produção inglesa, com os seus específicos valores: reconstituição histórica imaculada, desempenhos sólidos do elenco, fotografia, música e montagem de primeirissima grandeza, tudo a funcionar em pleno para um objectivo maior.

Apesar da atmosfera romanesca e de nostalgia com que os cenários recriam a Londres dos anos da Guerra (a que não será estranha a bela partitura musical de Michael Nyman), a cidade como que se situa em segundo plano face à claustrofobia revelada pela câmara de filmar em volta dos dois amantes. Nunca vi a versão dos anos 50 (uma obra menor ao que tenho ouvido dizer) mas li o livro de Greene, que me foi oferecido por uma rabiteza especial, pouco tempo depois de termos visto o filme juntos, numa sala do Monumental-Saldanha. E Jordan consegue efectivamente extrair do romance a complexa teia de sentimentos descrita pelo escritor. Muita coisa é diferente mas um filme não é literatura, vai muito para lá das palavras escritas em papel. Julgo apenas que a cena final do “milagre” (a mancha que desaparece da face da criança) é desnecessária, até porque semi-ausente no romance (o assunto é abordado mas sem o ênfase colocado no filme), podendo erradamente ser interpretada como uma espécie de “recompensa” pelo sacrifício da relação amorosa.


O único final apropriado é mesmo todo o ódio de Bendrix para com um Deus que lhe retirou o grande amor da sua vida: «Não tenho paz, e não tenho amor, a não ser só por ti, Sarah. Sou um homem de ódio. Deus, conheço a tua astúcia. És Tu quem nos leva a uma altura, de onde nos ofereces o universo inteiro. E és um demónio porque nos tentas a saltar. Eu, porém, não quero a tua paz, nem quero o teu amor. Eu queria algo muito simples e muito fácil: queria ter Sarah a vida inteira, e Tu levaste-a. Com os teus grandes desígnios arruínas a felicidade humana como o ceifeiro, nos campos, destrói um ninho de ratos. Odeio-Te, Deus, odeio-Te como se existisses. Já fizeste bastante, já me roubaste bastante, sinto-me por demais cansado e velho para aprender a amar. Deixa-me em paz para sempre!»

Termino com a citação de parte de um artigo publicado por Linda Santos Costa na revista “Leituras” do jornal Público de 8 de Abril de 1995: «... Que faz da história de amor em tempo de guerra, que é “O Fim da Aventura”, um romance que nos fascina e comove até às lágrimas? Explicá-lo seria o mesmo que explicar o amor, cedendo à tentação de o reduzir às secreções internas que regulam a intensidade dos impulsos passionais e levam a falar de uma “química do amor”, pois há muito, nesta história, que releva da forma como está construída: a sábia alternância de pontos de vista, o modo gradual e circular como nos é dado o acesso à “verdade” dos acontecimentos, a construção da intriga, com o seu quê de policial, que nos faz estar suspensos das páginas a vir, temendo (e desejando) que o enigma jamais seja desvendado.»

 (Post by Jota Marques)

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