Michael Braun, Graymalkin Media, LLC 1964
1ª edição em Portugal: Guerra e Paz Editores, Outubro 2022
Tradução de Maria Ferro
ISBN: 978-989-702-879-3
A presente edição não segue a grafia do novo acordo ortográfico
Até mesmo os bibliógrafos mais hábeis se vêm aflitos para se manterem a par de todos os livros publicados sobre os Beatles. Uma biblioteca completa incluiria mais de 250 obras em inglês publicadas até à data e inúmeras outras escritas noutras línguas. Poucas contribuem grandemente para o conhecimento geral que já se tem sobre a vida e o trabalho dos Beatles.
"Love
Me Do! A Ascenção dos Beatles" escapa decididamente a esta crítica. Embora
tenha sido escrito numa fase inicial da carreira da banda, em 1963-1964, e
esteja, portanto, relacionado apenas com a primeira parte da notável história
dos Beatles, tem uma grande probabilidade de ser o melhor livro que alguma vez foi escrito sobre eles. Com toda a
certeza, no que toca a oferecer uma visão das personalidades dos Beatles, é
inigualável e, para quem procura sentir o pleno sabor do período em que a
Beatlemania começou, "Love Me Do!" é fascinante e, a meu ver, insuperável.
Braun
passou três meses na companhia do Beatles e daqueles que lhes eram próximos
enquanto trabalharam primeiro nas províncias britânicas, depois em Londres,
depois em Paris e depois nos Estados Unidos. Em "Love Me Do!", relata
habilmente estas alegres aventuras de uma forma cativante que incita o leitor a
prosseguir rapidamente, envolvido nas acções dos próprios Beatles, do pessoal
que trabalha para eles, do grupo de jornalistas que os segue, da polícia que os
protege e das fás que os perseguem.
"Love Me Do!" narra a história de forma idónea, sem receios e certamente sem dourar a pílula. De facto, talvez o aspecto mais marcante do livro seja a sua frontalidade. Não podemos esquecer que Michael Braun escreveu o livro numa altura em que os meios de comunicação social se recusavam a levar os Beatles a sério. Além de Braun, ninguém via para lá do cabelo comprido, das gomas Jelly Babies ou dos yeh, yeh, yeh. Enquanto outros mencionavam que os Beatles bebiam Coca-Cola, Braun não viu qualquer razão para esconder o facto de que também a bebiam com uísque.
Capa da edição original (1964) |
Em
suma, "Love Me Do!" mostrou que os Beatles eram humanos, com
opiniões, inteligência, simpatias, antipatias, prazeres e frustações como
qualquer outra pessoa. Revelou que o seu vocabulário podia ir além dos
"diacho" e dos "ora bolas" de Billy Bunter - um facto que
foi claramente um rude golpe para aqueles que pretendiam retratar os Beatles
como sendo irrepreensíveis. Sem dúvida com receio de que os seus leitores
pudessem descobrir tal coisa, a revista mensal destinada aos fãs dos Beatles não
mencionou que "Love Me Do!" tinha sido publicado e o New Musical
Express (NME), numa breve recensão publicada em Novembro de 1964, comentou que
o livro continha «diálogos cáusticos, por vezes grosseiros, alegadamente
deles.» Uma semana depois, o mesmo jornal publicou uma frase mordaz que
relatava, quase com descrença, que «o novo livro de Michal Braun sobre os
Beatles atribui esta citação a John Lennon: "Odiamos os discos do Cliff
Richard"». (Imagine-se só!) Algumas semanas depois, demonstrando
claramente o impacto que "Love Me Do!" estava a ter, apareceu mais
uma menção: «Citado no livro de Michael Braun, George Harrison a dizer palavrões».
O
NME chamou ao livro de Braun «um assassino de imagem» e questionava abertamente
se os Beatles o apreciariam (claramente na esperança de que não fosse o caso). Imagino
que provavelmente não se terão preocupado com o livro nem para bem nem para
mal, mas teriam pelo menos apreciado a forma como Braun os retratou como
pessoas reais. John Lennon lembrou-se de "Love Me Do!" durante a sua
infame e reveladora entrevista à Rolling Stone, em 1970, quando, depois de
rejeitar a biografia autorizada dos Beatles escrita por Hunter Davies, fez o
seguinte comentário: «"Love Me Do!" era um livro melhor. Era um livro
verdadeiro. Descreveu-nos como éramos, ou seja, uns verdadeiros sacanas. Não se
consegue ser outra coisa quando se está sob tanta pressão».
Em nenhum outro lugar essa pressão é tão brilhantemente retratada como em "Love Me Do!" e nenhum outro livro sobre os Beatles alguma vez captou tão bem aqueles tempos que viveram. Indisponível há quase 30 anos, esta reedição é muito bem-vinda e, pessoalmente, acredito que seria uma lástima se este livro de Michael Braun - cuja leitura devia ser obrigatória para todos os estudantes e historiadores do século XX - caísse novamente na obscuridade.
Mark Lewisohn (autor de
"The Complete Beatles Chronicle), Hertfordshire
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